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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2003 Candace Camp. Todos os direitos reservados.

SEGREDOS DO CORAÇÃO, N.º 3 - Fevereiro 2013

Título original: Secrets of the Heart.

Publicada originalmente por Mira Books, Ontario, Canadá.

Publicado em português em 2004

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2554-3

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Um

 

Rachel apoiou-se ao suave forro de veludo da carruagem e susteve um suspiro. Olhou para a Gabriela, que dormia aninhada no assento defronte do seu, e invejou o sono fácil da juventude.

Ela não conseguia adormecer apesar do barulho monótono da carruagem. Não conseguia suprimir a sensação de aborrecimento, e também de pena, que a embargava desde que saíra de Westhampton no dia anterior pela manhã. Quando Michael a acompanhou à carruagem, sentiu o impulso de se virar e de dizer que decidira atrasar a viagem por alguns dias. Claro que não o fez. Já esperara mais três dias do que o previsto; tinha que levar a Gabriela aos tutores, que a esperavam em Darkwater.

Um grito no exterior retirou-a dos seus pensamentos e levantou a cortina para olhar. Apenas se viam os contrastes de luminosidade do entardecer, com os ramos escuros das árvores contra o céu cinzento. O cocheiro deu um grito e a carruagem deu um solavanco para a frente. No momento seguinte, Rachel ouviu o som agudo de um disparo e soltou a cortina com brusquidão.

Ouviu a voz do cocheiro a mandar parar os cavalos e a carruagem imobilizou-se. Rachel agarrou-se à pega de couro pendurada ao lado do seu assento. Gabriela, por sua vez, caiu ao chão com um grito de surpresa. Voltou a sentar-se e olhou para Rachel com os olhos muito abertos.

– O que se passa? – sussurrou.

– Não sei – Rachel tentou que não se notasse o seu medo. Não conseguia pensar em nenhuma boa razão para que se ouvissem tiros e para que o cocheiro parasse a carruagem. Pensou em salteadores, mas parecia-lhe muito estranho estarem tão longe de Londres.

Ouviu vozes e olhou para a porta. Prometeu a si própria ser valente, pois tinha que tomar conta de Gabriela, e tentou pensar no que faria a sua temerária cunhada Miranda ou a sua amiga Jessica, com a coragem de filha de militar, numa situação destas. Mas não conseguiu evitar o desejo de que Michael as tivesse acompanhado a Darkwater.

A porta abriu-se e entrou uma pessoa vestida de preto. Rachel tentou manter um rosto inexpressivo. Disse para si própria que era um homem pequeno cujo aspecto sinistro se devia à roupa preta e ao lenço que trazia a tapar-lhe a cara. Dar-lhe-ia o dinheiro que trazia consigo, ele ir-se-ia embora e o incidente terminaria sem perigo para ninguém.

Os olhos do homem pareciam surpreendidos. Olhou à sua volta antes de voltar os olhos para Rachel.

– Onde está o milorde? – disse com voz queixosa, baixando o lenço e mostrando o resto da cara.

O medo de Rachel apaziguou-se ante aquele rosto quase cómico devido à surpresa.

– O que quereis? – perguntou, surpreendida pela calma da sua voz.

– O lorde – continuou o homem. – Esta é a carruagem dele. Vi o desenho na porta.

– Esta é a carruagem do lorde Westhampton – repôs Rachel. – É o seu brasão que está na porta, se é a isso que vos referis.

– Sim, é isso. Westhampton. É ele que procuro.

– Lamento, mas procurais no lugar errado. Westhampton está em casa.

– Vos sois a esposa? – perguntou imediatamente.

– Sou a lady Westhampton – assentiu Rachel.

– Nesse caso, parece-me que possais dar o recado ao milorde.

– O recado? – Rachel tinha a sensação de ter entrado por engano numa peça de teatro na qual todos conheciam o diálogo, menos ela.

– Sim, dizei que o envia Red Geordie. Dizei-lhe que tem que ter cuidado, pois há alguém que lhe deseja mal.

Rachel fitou-o.

– Importai-vos de repetir o que dissestes?

– Parece que se aproxima demasiado e há pessoas que não gostam. Ouvi que alguém quer tirá-lo do mapa – inclinou a cabeça, ao que parece satisfeito com a suas palavras.

Rachel pestanejou, incapaz de pensar numa resposta adequada.

O homem sorriu.

– Lamento, mas tenho que levar alguma coisa – disse. – É por causa dos outros – disse a Rachel. – Esses brincos estão bem.

Rachel tapou com as mãos, num movimento brusco, os brincos de esmeralda.

– Não, isto não. Foram oferecidos pelo Michael. Foram um presente de casamento.

O homem pensou naquilo.

– Está bem, não quero enfurecer o milorde.

– Quereis dinheiro? – ofereceu Rachel. Tirou o porta-moedas da bolsa de tecido e ofereceu-lho.

O homenzinho sorriu, abriu o porta-moedas e olhou para o seu interior.

– Sim, isto servirá, milady. Vejo que sois tão amável quanto o milorde. É um prazer trabalhar para vós – saudou Gabriela com uma inclinação da cabeça. – Senhorita. Boas noites às duas.

Voltou a tapar o rosto com o lenço, abriu a porta e saiu da carruagem.

Gabriela e Rachel entreolharam-se num silêncio atónito.

Lá fora ouvia-se o ruído abafado de vozes, seguido do relinchar dum cavalo e do som de cascos a afastarem-se.

– O que foi isto? – perguntou Gabriela com os olhos esbugalhados.

– Não faço ideia – disse Rachel com sinceridade.

A porta abriu-se novamente, mas desta vez surgiu o rosto preocupado do cocheiro.

– Estais bem, milady?

– Sim, muito bem, Daniels. Não aconteceu nada.

– Havia quatro com armas, milady. Eu e o Jenks pensamos que era melhor não resistir. Milorde ficaria muito zangado comigo se vos acontecesse alguma coisa.

– Fizestes bem – assegurou Rachel. – Westhampton não quereria que arriscásseis a vossa vida e a nossa desse modo. Fizestes bem. Prossigamos a viagem, por favor.

– Sim, milady – o cocheiro fez uma reverência respeitosa e fechou a porta.

Ouviram-no subir novamente para o seu lugar e momentos depois a carruagem voltava a pôr-se em marcha. Rachel olhou para a Gabriela.

– Estás bem?

– Sim. Mas foi muito emocionante, não foi?

– Demasiado – repôs Rachel, com secura.

– Sim, suponho que sim – a rapariga não parecia estar convencida. – Mas eu nunca tinha visto um salteador.

– Eu também não.

– Conhecia-lo? Parecia conhecer o tio. Não é estranho?

– Muito. Não consigo imaginar de onde poderia conhecer Michael.

O seu marido não era um homem que tivesse salteadores entre as suas amizades. Se o bandido tivesse mencionado Dev, o irmão de Rachel, ela teria estado mais inclinada a acreditar nele. Até se ter casado com Miranda e assentado, Devin tinha conhecido muitos personagens da má vida. Mas Michael? A ideia era absurda.

Michael era um homem tranquilo, estudioso, amável, responsável e generoso, a personificação de um cavalheiro. O seu título era um dos mais antigos e respeitados do país e, ao contrário do seu pai, Michael jamais fizera alguma coisa para manchá-lo. Era feliz na sua propriedade rural, a supervisionar as reformas da casa e os edifícios exteriores e a fazer experiências com os últimos inventos agrícolas. Mantinha correspondência com homens de inclinações e natureza semelhantes, que incluía desde cavalheiros com vastas plantações nos Estados Unidos até homens da ciência de diversas universidades do Reino Unido e do resto da Europa. Não era o tipo de homem que tivesse salteadores como amigos e muito menos que deles recebesse mensagens.

E o que dissera o homem? Que Michael se «aproximava demasiado». Que alguém lhe «deseja mal». Do que é que ele se aproximava demasiado? E quem era esse inimigo?

Não conseguia imaginar Michael com inimigos. Os desacordos que pudesse ter com as pessoas eram educados e normalmente referiam-se a algum tema de estudo do qual poucas pessoas tinham ouvido falar. O pior que ouvira dizer dele era que se tratava de um homem demasiadamente respeitável, a raiar o aborrecido. Nada que justificasse que lhe fizessem ameaças.

– É ridículo – disse Rachel com firmeza. – Michael não tem um único inimigo no mundo. O homem deve estar enganado.

Olhou para Gabriela, que parecia um pouco alterada. A pobrezinha já tinha sofrido muito apesar da pouca idade. Os pais tinham morrido quando tinha apenas oito anos. Fora viver com um tio-avô até que também ele morreu no ano anterior, deixando-a ao cuidado de um tutor que tinha sido amigo do seu pai, muitos anos antes. Foi através desse tutor, o duque de Cleybourne, que Rachel conheceu a rapariga de catorze anos. O duque fora casado com Caroline, a irmã mais velha de Rachel, que morrera, juntamente com a sua filha, tragicamente num acidente de carruagem. Rachel continuara amiga de Cleybourne; sentia-se muito preocupada pela dor que o acompanhou nos anos que se seguiram à sua morte.

Gabriela tinha chegado ao castelo de Cleybourne no natal anterior, e com ela a sua preceptora, Jessica Maitland, uma beldade ruiva com um trágico escândalo no seu passado. Jessica e Cleybourne apaixonaram-se, mas a morte também manchou esse momento feliz e a segurança que ele proporcionava a Gabriela. Um assassino atacou o castelo, matou um dos convidados e quase fez o mesmo a Jessica.

Não era de estranhar que as ameaças do desconhecido tivessem despertado os medos da rapariga. Gabriela acabara de passar dois meses com Michael e Rachel, que a levaram para sua casa depois do casamento para que o duque e a sua nova duquesa desfrutassem a sós a lua-de-mel, e tinha-se afeiçoado aos dois.

Rachel tomou uma das mãos da rapariga e apertou-a carinhosamente.

– Não tenhas receio, Gaby. Tenho a certeza de que isto é tudo uma confusão. Ninguém pode desejar mal a Michael. Isso de «aproximar demasiado» deve ser um engano. Do que é que ele se poderia aproximar? De uma teoria política? Uma descoberta científica? De um método novo de rotatividade das colheitas? Dificilmente alguém mata por estas razões.

A rapariga sorriu e deixou de se preocupar.

– Tendes razão. Quem iria desejar mal ao tio Michael? – apertou a mão de Rachel. – Deveis alegrar-vos muito por estar casada com ele.

Rachel sabia que muita gente pensava da mesma forma. O seu marido era nobre e rico, descendente de uma das melhores famílias de Inglaterra. Isso por si só era suficiente para que o casamento fosse considerado um êxito. Mas além disso, Michael era delicado e amável. Punha à sua disposição uma generosa soma e, apesar de preferir viver no campo, não lhe impunha essa preferência. Rachel era livre de viver como lhe apetecesse, de dar festas na sua elegante casa de Londres e de levar a vida de uma anfitriã da alta sociedade. Tinha um amplo círculo de amigos e de admiradores e era considerada como uma das beldades do seu meio. Resumidamente, a sua vida era perfeita... se não se importasse que o seu casamento fosse uma farsa.

Não existia amor no seu casamento. Viviam separados, nunca partilhavam a cama e jamais pronunciavam palavras de amor ou de paixão. E não lhe servia de nada saber que era culpa sua.

Sorriu a Gabriela.

– Sim – assentiu. – Tenho muita sorte por ser lady Westhampton.

 

 

As tochas iluminavam Darkwater. Era uma linda casa, que recebia o nome de um lago nas proximidades que era tão negro como a noite, e não devido às paredes de pedra calcária, que sob a luz do sol de Derbyshire eram pálidas, quase douradas. De noite não se viam as suas linhas cheias de graça nem as janelas seculares, apenas se via o seu enorme volume. Mas Rachel tinha sido criada ali e conhecia-a sem ter que a ver. Abriu a porta da carruagem enquanto esta parava e assomou-se para ver a casa.

Jenks saiu do seu lugar para ir pôr as escadas e ajudá-las a sair. Antes que o fizessem já a porta da casa se abria e saíam dois criados com velas para escoltar as damas.

– Lady Westhampton! – exclamou um homem de meia idade, vestido com o traje formal de mordomo, com um grande sorriso. – Alegro-me de voltar a ver-vos em Darkwater. Esperámos todo o dia pela vossa chegada.

– Olá, Cummings – Rachel sorriu calorosamente ao homem que ali trabalhava como mordomo desde que ela era pequena. – Permiti-me que apresente a menina Gabriela Carstairs, a pupila do duque de Cleybourne.

O homem saudou a rapariga com uma reverência

– Bem-vinda a Darkwater, menina Carstairs.

– O duque e a duquesa esperam impacientemente pela vossa chegada. Ah, ali vêm eles.

Os habitantes da casa saíam nesse momento pela porta apesar do ar frio da noite. À frente seguia uma mulher ruiva, alta, exuberante, e um homem moreno, ambos muito sorridentes. Ligeiramente atrás deles estava outro casal, uma bonita mulher grávida e um homem muito atraente seguidos por uma rapariga de idade semelhante à de Gabriela.

– Gaby! – a mulher ruiva, que era a nova duquesa de Cleybourne, abriu os braços para a sua pupila. Tinha sido preceptora da rapariga durante seis anos, antes de se casar com o seu tutor, e considerava-a quase como uma filha.

– Menina Jessie! – Gabriela correu para os seus braços e abraçou-a com força. De seguida sorriu com timidez ao homem que estava ao lado da duquesa.

– Milorde.

O duque devolveu-lhe o sorriso.

– Gabriela, esqueceste-te de que não íamos ser tão formais?

– Tio Richard – corrigiu ela com um sorriso. E ele por sua vez abraçou-a.

Os duques voltaram-se para Rachel, que abraçava o outro casal, formado pelo seu irmão Devin, conde de Ravenscar, e a sua mulher Miranda. Richard apresentou a sua pupila aos condes.

– E – disse para Gabriela, com um sorriso – há mais alguém que espera impacientemente a tua chegada. A menina Verónica Upshaw, a irmã de lady Ravenscar, que está de visita e fez quinze anos no mes passado. Verónica...

A rapariga avançou e sorriu a Gabriela. Era uma rapariga muito bonita, de cabelo castanho claro e olhos azuis. Não se parecia nada com Miranda. Os senhores Upshaw viviam grande parte do tempo em Londres, mas tinham decidido que o campo era o melhor lugar para a rapariga. Teria tempo de sobra para estar em Londres quando se apresentasse à sociedade dentro de alguns anos.

Rachel pensou com um sorriso que as raparigas se apresentariam à sociedade no mesmo ano. E a alta sociedade iria sofrer o assalto da formidável dupla que formavam a duquesa e a condessa. Não queria perder uma única festa dessa temporada.

O grupo entrou em casa a conversar e a rir. As raparigas, encantadas por terem alguém da sua idade com quem falar, subiram para o quarto de Verónica, enquanto os adultos voltavam para a sala de música, onde os dois casais tinham esperado a chegada de Rachel.

A conversa recaiu primeiro sobre a viagem.

– Foi muito boa – comentou ela, com calma, – excepto termos sido parados por um salteador.

Os outros quatro olharam para ela durante alguns momentos sem falarem. Devin pôs-se de pé num salto.

– O quê? Estás a brincar?

– Não, de todo. Foi uma coisa muito peculiar.

– Peculiar! – exclamou Dev. – Eu não o descreveria assim.

– Oh, sim, descreverias assim se lá tivesses estado.

– Rachel! Porque é que não falaste disso imediatamente? – perguntou Miranda, que se aproximou da sua cunhada. – Estás bem? Não te fizeram nada, a sério?

– Não. Só perdi umas quantas moedas, mais nada. Nem sequer me ameaçou.

– E que raios faria nesta zona? – perguntou Cleybourne. – Já tinhas ouvido algo antes, Dev?

– Não, nada. E não me parece muito rentável assaltar os caminhos de Derbyshire.

– Não tenho a certeza que o seu principal motivo fosse tirar proveito. Deu-me a entender que levava o dinheiro para que os seus homens não suspeitassem de nada.

– Nada de quê? – Dev olhou para a sua irmã com receio. – Não estás mesmo a brincar connosco?

– Verdade, prometo. Já vos disse que foi muito peculiar. Parecia... bom, ao que parece pensava que Michael ia na carruagem. Disse que vira o brasão na porta. Não sei se estava à espera da carruagem ou de Westhampton e deu connosco.

– Um salteador que queria falar com o Michael? – perguntou Miranda. – Para quê?

– Disse que queria adverti-lo e pediu-me para transmitir a mensagem de que alguém lhe quer mal e que ele se está a «aproximar demasiado» e que há quem queira impedi-lo.

Um silêncio atónito seguiu-se às suas palavras.

– De certeza que ouviste bem? – perguntou Dev, por fim.

– Sim, pergunta à Gabriela, ela estava lá. Depois disse que tinha que levar algo para dissimular. Queria os meus brincos de esmeralda, mas eu protestei e disse que tinham sido um presente de casamento de Michael, e ele levou o porta-moedas.

– Desculpem-me – sussurrou Jessica. – Eu não conheço o lorde Westhampton tão bem quanto vocês. Ao que é que ele se referia?

– Não faço ideia – disse Rachel, com franqueza. – Estava à espera de que Richard ou Dev soubessem de alguma coisa, que talvez estivessem envolvidos nalgum tipo de actividade masculina que tivessem decidido ocultar às mulheres.

– Eu não faço ideia – disse o seu irmão, perplexo. – E se tivesse algum segredo masculino, podes ter a certeza de que Miranda já mo teria arrancado – olhou para a sua mulher, que lhe sorriu.

– Talvez seja algum tipo de código – sussurrou ela. – Westhampton uma vez disse-me que sempre gostara de enigmas e dessas coisas.

– Sim, é verdade.

– Eu acho que esse tipo está louco – interveio Richard. – O melhor será enviar uma mensagem a Westhampton a contar-lhe o sucedido. Talvez ele o compreenda.

– Sim, talvez tenhas razão – assentiu Rachel. – Vou escrever-lhe uma carta esta noite.

– Envio-lha com um dos moços amanhã bem cedo – assegurou-lhe o seu irmão. – Acho que o incidente não terá importância mas é melhor ter a certeza.

Rachel escreveu mais tarde, no seu quarto, a Michael a contar-lhe o incidente com o estranho. Acrescentou mais algumas perguntas. Dev confiou a missiva a um dos seus moços que partiria na manhã seguinte.

Rachel fez todos os possíveis para avisar Michael, para o caso dele poder correr algum perigo, mas isso não serviu para a tranquilizar. Enquanto se arranjava para se deitar, não conseguia parar de pensar no sucedido. De repente, tudo relacionado com o seu marido parecia incerto.

Ela e Michael não estavam tão unidos como Miranda e Dev por exemplo. Não havia entre eles a intimidade que aparentemente somente o amor e a paixão oferecem. Mas ela achava que conhecia bem o seu marido. Sabia os temas que lhe interessavam, quais as comidas de que gostava e quais não. Podia indicar o alfaiate e o sapateiro que frequentava e os clubes aos quais pertencia, sabia o nome da maioria dos seus amigos e de algumas pessoas com quem mantinha correspondência.

Apesar disso, o encontro com o salteador fê-la interrogar-se quanto saberia realmente sobre Michael. O homem de quem «Red Geordie» tinha falado parecia alguém muito diferente do Westhampton que ela conhecia, uma pessoa envolvida em algo que pudesse ser uma ameaça para alguém, uma pessoa que precisava ser advertida. Alguém que conhecia salteadores. Continuava a pensar que o bandido estaria enganado e que por certo se referia a outro homem e não ao seu marido. Mas dissera ter reconhecido o brasão e tinha-o chamado de Westhampton... ou fora ela a primeira a pronunciar o nome e ele limitara-se a assentir?

Talvez o homem estivesse louco. Talvez isto fizesse parte de uma brincadeira de mau gosto. Afinal de contas, nem Dev nem Richard sabiam de nada. E Richard era amigo de Michael mesmo antes de Rachel o conhecer. Se estivesse envolvido com salteadores, de certeza que o saberia. Mas Rachel não conseguia parar de pensar que a mulher não deveria depender daquilo que os outros sabem acerca do seu marido. A mulher deveria ser quem o conhece melhor. Tinha a certeza que se Miranda estivesse na sua situação, teria sabido muito bem naquilo que Dev estava envolvido.

Suspirou e começou a escovar o cabelo. Ao fazê-lo, observou a sua imagem no espelho. Continuava a ser uma mulher atraente. O seu cabelo era castanho e espesso e os seus admiradores ainda escreviam odes aos seus olhos verdes. Conservava a figura esbelta da juventude e continuava sem nenhuma ruga na pele. Tinha vinte e seis anos, continuava a ser jovem.

Parou de escovar o cabelo e observou-se com interesse. Teria mudado desde o dia em que conhecera Michael? Claro que sim, mas a mudança fora interior.

Agarrou a escova com força. Tinha-se casado tal como era o seu dever, como esperava a sociedade e o exigia o seu pai. Mas ao cumprir o seu dever tinha renunciado às suas esperanças e aos seus sonhos. Tinha negado os desejos do seu coração.

Recordava muito bem a terrível dor da sua decisão. Sabia que não tinha podido fazer outra coisa e que o seu pai tinha razão. Se não se tivesse casado com Michael, teria sido um escândalo e uma desonra para a sua família e para si mesma, tal como para Michael, que era totalmente inocente. Fizera o que tinha que fazer mas, com isso, condenara o seu coração ao desespero. Ao casar-se com Michael tinha dito adeus ao homem que amava.

 

Dois

 

Rachel recordava-se com clareza do dia em que conheceu Michael. Foi numa reunião em casa de lady Wetherford, um acontecimento aborrecido onde parecia estar presente metade da alta sociedade de Londres. Lady Wetherford apresentou-lhes, a ela e à sua mãe, o lorde Westhampton e a sua primeira impressão foi a de um homem alto e loiro, alguns anos mais velho do que ela e muito atraente. Conhecendo Michael como conhecia agora, tinha a certeza de que ia impecavelmente vestido com roupa escura e formal; nada que pudesse chamar a atenção. A perfeita imagem do cavalheiro inglês, como sempre.

Mas Rachel prestou-lhe pouca atenção e limitou-se a sorrir, já que naquela noite não podia evitar sorrir de tão radiante que se sentia interiormente, e a conversar sobre o tempo e sobre a ópera a que assistira na noite anterior. E, enquanto falava, não deixava de procurar com os olhos a mesma pessoa que procurava em todos os eventos sociais, o homem responsável pela sua radiante alegria nessa noite. Mas, se recordava aquela festa não era devido a Michael, mas sim porque foi naquela noite que Anthony Birkshaw lhe disse que a amava.

Apesar do tempo que se passara entretanto, um sorriso assomou aos lábios de Rachel ao recordá-lo. Cleybourne, o marido da sua irmã mais velha, tinha dado à sua mãe o dinheiro necessário para a temporada e Rachel estava muito consciente de que lhe tocava a ela restabelecer a fortuna da família.

 

 

Rachel tinha dezanove anos e era a sua primeira temporada em Londres. Devido à falta de dinheiro da sua família, tinha-se apresentado à sociedade um ano mais tarde. Poucos esperavam que seguisse o êxito da sua irmã, já que Caroline se tinha casado com um duque, o escalão mais alto da nobreza. Mas Rachel tinha a beleza dos Aincourt e um agradável carácter, e a sua família era uma das melhores de Inglaterra, portanto esperava-se que também ela fizesse um bom casamento.

Rachel não questionava o seu papel nesses planos. Afinal, era assim que se casavam as pessoas da sua classe. Já não eram os casamentos arranjados de antigamente, nos quais um casamento era mais que tudo uma aliança entre duas famílias por uma questão de riqueza, poder e conquistas políticas, e no qual o casal podia nunca se ter visto até ao dia do casamento. Mas, de qualquer forma, a aristocracia não se casava por amor, tal como a sua mãe se encarregara de lhe recordar desde criança; casavam-se pelo bem da sua família, tanto a presente como a futura.

No caso da família Aincourt, isso queria dizer que tinham de se casar quase sempre com alguém com dinheiro. Há muitas gerações que os condes de Ravenscar andavam a ganhar e a perder dinheiro mas, ao que parece, saía mais dinheiro do que entrava. O motivo disso, segundo o pai de Rachel, um homem de mentalidade fechada e com ideias religiosas dogmáticas, fora uma maldição papista lançada sobre o primeiro conde de Ravenscar, que recebeu a Abadia Branton do seu amigo o rei Henrique VIII quando este se separou da igreja católica. Edward Aincourt, conde de Ravenscar, deitou abaixo a abadia e com as pedras construiu a mansão familiar. Segundo a lenda, o abade de Branton fora retirado à força de dentro da abadia e, enquanto era carregado pelos homens do conde, lançou uma maldição sobre este e sobre os seus descendentes para que «ninguém que vivesse entre aquelas pedras conhecesse a felicidade».

Fosse resultado da maldição ou simplesmente da natureza de uma família orgulhosa e esbanjadora demais, a verdade é que os Aincourt raramente tinham sido felizes, tanto relativamente ao coração como relativamente ao dinheiro. Todas as pessoas estavam de acordo que era bom serem uma família de homens altos e esbeltos e de belas mulheres, já que se viam sempre obrigados a fazer fortuna através do casamento, mas havia também quem achasse que talvez fosse essa dependência que os condenava a cumprir as profecias da maldição.

A escassez de dinheiro tinha-se feito notar especialmente nesta geração da família. O conde, apesar de religioso e de ideias rígidas, não levava uma vida ascética. Gostava de viver bem e de comprar coisas belas, delapidando ainda mais a fortuna familiar. Teriam de ser as filhas a resolver o problema, já que o conde perdera todas as esperanças com o filho Devin, o herdeiro do título. Há dez anos que Devin se entregava a um estilo de vida que o seu pai rotulava de excessos pagãos, há anos que era amante de uma mulher casada e tinha recusado casar-se como o seu pai desejava.

Rachel tinha, então, que se casar como o seu pai desejava, mas isso não a impedia de sonhar secretamente que o seu casamento pudesse ser também por amor, como fora o casamento da sua irmã Caroline. Toda a gente sabia que o duque de Cleybourne amava loucamente a sua mulher e que ela parecia corresponde-lo, apesar de mais tarde se ter verificado que os sentimentos dela tinham sido mais superficiais.

Rachel tinha intenção de desfrutar do tempo enquanto procurava marido, luzindo os vestidos novos comprados para a sua apresentação à sociedade, indo a festas e a bailes e assistindo a peças de teatro, a óperas e as demais diversões que Londres oferecia a uma rapariga que tinha passado quase toda a sua vida escondida em Derbyshire.

E teve um êxito imediato. A sua vida era um turbilhão de actividades sociais e que teriam deixado esgotado qualquer um que não fosse jovem e cheio de vida. A sua agenda de dança ficava cheia aos poucos minutos de chegar a uma festa. Podia escolher entre inúmeros ramalhetes que lhe enviavam pretendentes esperançados antes de cada baile e não faltavam jovens que a fossem visitar.

Mas ela só tinha olhos para um homem. Conheceu Anthony Birkshaw duas semanas depois de chegar a Londres e quando o viu soube que era o homem dos seus sonhos. Era um cavalheiro, alguns anos mais velho que ela, cujos modos francos e abertos a conquistaram imediatamente. Tinha um cabelo castanho espesso que caía sobre a testa com descuido e olhos que a ela lhe pareciam de poeta: grandes e castanhos, enquadrados por pestanas muito negras.

E por milagre, estava tão louco por ela quanto ela por ele. Claro que não se expunha ao ridículo como Jasper Hopkins, que dançava com ela as duas danças permitidas pela etiqueta a um cavalheiro que não fosse o noivo, e passava o resto do serão a olhar para ela e sem dançar com mais ninguém. Anthony era cortês e amável e dançava e conversava com outras jovens; ele não se dedicava tão exclusivamente a Rachel para não suscitar comentários.

Naquela noite, depois de dançarem uma valsa, dissera-lhe que a amava e ela não tinha voltado a pôr os pés no chão desde então.

Passou o resto do verão numa nuvem de amor. Devido à maneira que vigiavam as jovens, quase nunca estava a sós com Anthony. O seu amor alimentava-se de olhares, sonhos e valsas. Às vezes encontrava-o quando voltava da biblioteca. Se ele lhe enviava flores, dormia com elas ao lado da cama, e quando começavam a murchar, punha-as entre os livros para as conservar. De vez em quando podiam passar alguns momentos juntos, perder-se por entre a multidão depois de um baile ou de um jantar e procurar os jardins ou um banco de janela. Era ali que sussurravam o que sentiam e trocavam um ou dois beijos castos. Rachel vivia para aqueles momentos.

Perdida na sua nuvem de amor, Rachel não se deu conta da frequência com que lorde Westhampton a ia visitar ou a convidava para dançar. Estava tão fascinada com Anthony como para não notar os outros pretendentes, e o Michael nem sequer fazia parte desse grupo. Era quase dez anos mais velho do que ela e amigo do marido de Caroline, e a jovem assumiu que formava parte do círculo de amigos dos duques. Como ela e a sua família passavam grande parte da temporada na mansão Cleybourne, não lhe pareceu estranho que um amigo do duque visitasse a casa com frequência, ou que fosse incluído nos passeios. Não formava parte do círculo de jovens que a rodeava nas festas e que competiam entre si por lhe levar um copo de ponche, ou por lhe apanhar uma luva que caíra ao chão ou conduzi-la à mesa de jantar. Se fosse mais velha ou menos ingénua, ter-se-ia dado conta que a sua ausência indicava uma intenção mais séria. Era demasiado maduro e importante, demasiado sério nas suas intenções para se unir ao grupo que a perseguia. Não era um homem que tinha intenção de namoriscar e admirar; era um homem que tinha intenção de casar.

Rachel não pensava muito nele, mas, se o tivesse feito, diria que gostava dele. Era calado, bom ouvinte, e se ela cometia um erro de etiqueta ou se fazia um comentário ingénuo, ele passava por cima disso com um sorriso. Como não o incluía no círculo de admiradores, não se sentia obrigada a conquistá-lo. Apesar de não lhe interessar nenhum homem à parte de Anthony, era do conhecimento de todos que o número de pretendentes que rodeavam a rapariga era a medida do êxito que esta tinha na roda social, como tal, não convinha que as pessoas vissem o número de admiradores a diminuir, razão pela qual ela tinha que namoriscar sem parecer atrevida e mostrar-se animada.

Com Westhampton, pelo contrário, podia falar facilmente. Não estava preocupada em agradar nem em manter uma certa imagem. Tratava-o simplesmente como aos outros amigos dos seus irmãos mais velhos. Não tardou em se dar conta que, se tinha algum problema referente à etiqueta ou se precisava averiguar quem era alguém e onde encaixava na sociedade, lorde Westhampton era a pessoa a quem se dirigia.

Até que, um dia no final de Julho o seu pai as convocou, a ela e à sua mãe, à biblioteca. O coração batia-lhe com força e corou. Um pedido destes significava que se passava alguma coisa importante e pensou de imediato em Anthony Birkshaw. Só podia ser que ele tivesse pedido a sua mão em casamento.

O seu pai estava de pé atrás de uma das mesas, com o aspecto imponente de sempre. Rachel crescera a temer aquele homem. O conde de Ravenscar, severo, religioso e sem sentido de humor, não gostava e nem entendia as crianças. Apenas via os seus filhos ao domingo, quando a família ia à igreja e o ouviam ler a Bíblia. Vivia com a convicção de que as crianças vêm ao mundo para honrar e obedecer o pai e qualquer forma de rebelião tinha que ser esmagada.

Rachel, a mais pequena dos três irmãos, cresceu a ver as discussões entre o seu irmão e o seu pai que acabaram com uma ruptura total, na qual o conde pôs Devin fora de casa e lhe disse que nunca mais seria bem-vindo. Desde então, Rachel nunca mais vira o seu irmão até esse verão. A dor dessa separação e o terror da fúria do seu pai ficaram impressos firmemente na sua mente. Ela conseguira evitar essas confrontações afastando-se o mais possível da presença do seu pai e não o enfrentando abertamente.

Nesse dia na biblioteca o seu pai mostrava-se sorridente e alegre.

– Bem, Rachel – disse, animado. – Imagino que tenhas uma ideia pela qual te chamei.

– Acho que sim – repôs ela, com uma certa vacilação. Estava um pouco surpreendida que o seu pai ficasse tão alegre com a proposta de Anthony. Não sabia nada das suas finanças, mas era o filho mais novo de um filho mais novo e, apesar da sua linhagem ser muito respeitosa, não possuía um título nem parecia ser tão rico como para agradar o seu pai.

– Claro que sim – continuou o conde. – Lorde Westhampton é um bom partido. Não é duque, claro, como o marido da tua irmã... – soltou um risinho, – mas é um excelente pretendente. Títulos, propriedades, uma família que remonta aos barões de Guilherme, o conquistador. Sim, agradam-me muito que Westhampton se tenha interessado por ti. Claro que oferece uma proposta muito generosa, apesar de ainda não termos acordado os detalhes. E também quer fazer-te a pergunta pessoalmente, mas parece-me que todos sabemos qual será a resposta, não é?

– Lorde... lorde Westhampton? – perguntou Rachel, surpreendida. Sentia um zumbido estranho nos ouvidos e por momentos pensou que ia desmaiar. – Lorde Westhampton pediu a minha mão?

– Sim – o seu pai olhou-a com receio. – Porquê? Estavas a pensar noutra pessoa? Deste o teu afecto a outro?

– Que tolice – a mãe de Rachel pôs uma mão protectora no braço da filha. – Claro que não deu o afecto a ninguém. Está simplesmente surpreendida que um homem como lorde Westhampton esteja tão interessado nela. Qualquer jovem modesta teria pensado o mesmo. É um bom partido, como tu próprio o disseste.

– Sim, tens razão – balbuciou o conde, que não podia imaginar que a sua filha mais nova, a menos viva dos três, o fosse enfrentar.

A sua mulher informou-o que Rachel e ela tinham que escolher o vestido que ela iria usar na proposta de casamento de Westhampton e arrancou-a da biblioteca.

– O que é que estavas a pensar? – disse-lhe quando entraram para o sala das damas e fechara a porta. – Deste-me um bom susto. Surpreende-te assim tanto? Westhampton não saiu da mansão Cleybourne o verão todo.

– Mas... é amigo do duque e eu pensei...

A sua mãe suspirou, exasperada.

– E eu a pensar que estava tudo a correr muito bem! Bom, não faz diferença. Deve ter assumido que és modesta e inocente. Os homens apaixonados, por sorte, são bastante tolos. Agora temos que fazer planos. De certeza que virá esta tarde para falar contigo, visto o teu pai lhe ter dado autorização. É preciso decidir o que vais vestir. Talvez a Caroline empreste a Lucy para te arranjar o cabelo. Tens que estar muito bonita mas não parecer que estás há espera da sua pergunta.

– Mas mamã! – exclamou Rachel, em pânico. – Eu não posso aceitar lorde Westhampton.

A sua mão olhou para ela, atónita.

– Estás louca? – perguntou com uma voz que pareceu um chicote. – Como assim que não o podes aceitar...? – respirou com força. – Não! O teu pai tinha razão? Deste o teu afecto a outra pessoa? Meu Deus, filha! O que fizeste? – o medo e a fúria misturavam-se na sua voz. – Não me digas que te entregaste a um homem.

– Não – exclamou Rachel, escandalizada. – Como podes pensar isso? Eu nunca... ele jamais...

– Então não aconteceu nada que não se possa arranjar – disse a condessa, mais relaxada. – Quem é esse homem? Não posso acreditar que eu não tenha notado nada.

– É o senhor Birkshaw. Anthony Birkshaw. E não fez nada de indevido. Foi sempre muito correcto. Nem sequer ficava ao meu lado para não suscitar comentários.

– Birkshaw! – a sua mãe olhou para ela, horrorizada. – Anthony Birkshaw! Esse jovenzinho sem fortuna ousou tentar conseguir o teu afecto? Oh, Rachel! Como é que pudeste ser tão tola? O que é que lhe disseste? Prometeste-lhe...? Não, ninguém consideraria vinculável a promessa de uma miúda tonta quando nem sequer teve a cortesia, nem a coragem, de falar antes com o teu pai.

– Ele não me pediu em casamento – assegurou Rachel. – Já te disse que foi sempre muito correcto. Não fizemos promessas, juro. Mas eu amo-o e sei que ele me corresponde. E hoje, quando o pai nos chamou à biblioteca pensei que era ele que tinha pedido a minha mão.

A sua mãe olhou-a com compaixão.

– Minha querida filha, não podes acreditar que o conde aprovaria essa união, pois não? O senhor Birkshaw nunca conseguiria a sua aprovação. Não tem dinheiro nem perspectivas de futuro. O pai dele é o terceiro filho de lorde Moreston. Teria de haver uma praga para que o título chegasse até ele. E ainda assim seria apenas barão. Não entendo como é que podia aspirar a filha de um conde.

– Não me parece que tenha pensado muito no título do meu pai – respondeu Rachel, com mais aspereza do que habitualmente usava com a sua mãe. – Foi por mim que ele se apaixonou.

– Nesse caso, só posso dizer que foi um imbecil e tu também – a condessa moveu a cabeça. – Bom, mais vale que esqueças essas parvoíces todas. Esta tarde tens que aceitar Westhampton e não podes aparecer com um ar desgraçado e arriscar que ele mude de ideias.

Rachel sentiu um aperto no coração.

– Mas mãe, como é que vou aceitá-lo? Não o amo. Apenas o conheço. Amo outro homem.

– Não há razão para que ele o saiba – respondeu a sua mãe. – E o melhor é que tu também tires essas ideias da cabeça. O teu pai nunca te permitiria veres o Anthony Birkshaw. Custa-me acreditar que tenhas sido tão tola para entregares o teu coração a um... a um mendigo.

– Ele não é um mendigo!

– Tu não percebes nada disso! – a condessa olhou para a filha com frieza. – Achas que alguma de nós casou por amor? Que alguma de nós conhecia os nossos maridos antes de ficarmos noivos? Asseguro-te que não e a tua irmã também não.

– Mas Caroline e Richard amavam-se.

– A tua irmã foi esperta para não entregar o seu coração até ter ficado noiva – retorquiu a sua mãe. – Não posso acreditar que estejas a proceder assim. Tu sempre foste a mais obediente dos meus filhos – fez uma pausa para recuperar a compostura. – O que é que pensavas que ia acontecer aqui? Para o que é que passaste o verão em festas e em distracções? O teu pai teve de engolir o orgulho e aceitar um empréstimo de Cleybourne para que tu tivesses esta temporada. Sabias muito bem qual era o objectivo. Sabias o que se esperava de ti.

– Sim, mas... – os olhos de Rachel encheram-se de lágrimas. O mundo de sonho no qual passara o verão caía à sua volta. Compreendia que tinha sido uma parva ao pensar que os seus pais aceitariam o homem por quem se tinha apaixonado. – Não posso! – gemeu. – Não posso casar-me com lorde Westhampton quando amo outra pessoa.

– Podes e fá-lo-ás – a voz da condessa era implacável. – Lamento que tenhas sido tão tonta para entregares assim o teu afecto. Devia ter-te vigiado melhor e peço-te desculpa por não o ter feito, mas vou corrigir agora mesmo esse erro. Direi a Caroline que informe o mordomo que não estás em casa quando vier o senhor Birkshaw.

– Não! – a dor atravessou o peito de Rachel como uma faca. – Mãe, não podes...

Lady Ravenscar lançou-lhe um olhar acutilante.

– Se for preciso, conto ao teu pai e ele manda-o embora.

– Não! – a ideia do seu pai ir falar com Anthony e proibir-lhe a entrada na casa aterrorizava-a ainda mais. O seu pai tinha um temperamento terrível; era impossível saber o que poderia dizer ou fazer a Anthony. Não seria de estranhar se o enxotasse à bastonada.

– Vais superar este capricho – continuou a sua mãe, com voz fria. – Agora perece-te que o mundo vai acabar, mas essa sensação passará rapidamente. Os caprichos das jovens são sempre assim. Daqui a algumas semanas estarás a planear o teu casamento e a escolher os vestidos do teu enxoval e dar-te-ás conta de como isto tudo foi tão absurdo.

– Não – respondeu Rachel. – Não será assim.

– Tens que tentar porque posso assegurar-te de que não te casarás com o senhor Birkshaw. Se pensares bem, compreenderás porque é que te ofendeu. Suponho que apenas tenha dinheiro para se manter a ele próprio e talvez tenha pensado que tu és rica.

– Não é uma questão de dinheiro! – gritou a rapariga. – Nós amamo-nos.

– Pois é um amor sem esperança – respondeu a sua mãe, implacável. – O teu pai e eu nunca permitiremos que te cases com ele. E se fores tola ao ponto de rejeitares lorde Westhampton por causa dessa loucura, garanto-te que te lamentarás para o resto da tua vida.

Rachel não aguentou mais as lágrimas. Começou a soluçar, sentou-se no cadeirão mais próximo e tapou a cara com as mãos. A sua mãe olhou-a, exasperada, mas tirou de um lenço e entregou-lho.