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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2005 Cindy Gerard

© 2019 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Depois do amanhecer, n.º 649 - dezembro 2019

Título original: Between Midnight and Morning

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Desejo e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-1328-599-3

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Capítulo Um

Capítulo Dois

Capítulo Três

Capítulo Quatro

Capítulo Cinco

Capítulo Seis

Capítulo Sete

Capítulo Oito

Capítulo Nove

Capítulo Dez

Capítulo Onze

Epílogo

Se gostou deste livro…

Capítulo Um

 

 

 

 

 

Devia tentar ajudá-la.

Sabia que isso seria o mais correcto, mas era muito mais divertido observar a veterinária a tentar deitar abaixo o bezerro de pele sarapintada.

Sim, devia ajudá-la porque ela não estava a conseguir, mas lembrou-se que ela lhe pedira para ele se manter à margem. Além disso, do local onde ele estava, apreciava o bonito traseiro da Alison Samuels.

Um espectáculo fabuloso.

John Tyler acomodou-se e apoiou a bota na última tábua da cerca. Cruzou os braços sobre a tábua que estava mais acima e ficou a desfrutar a cena… e ela valia a pena.

Esboçou um sorriso.

Raios, a doutora era realmente gira com os seus longos cabelos cor de mel presos num rabo-de-cavalo.

De manhã, quando ela atendera o telefone, transmitira uma imagem impecável, muito profissional.

Agora não estava com o mesmo aspecto.

Estava descomposta.

Tinha as faces rosadas devido ao esforço e algumas madeixas de cabelo caíam-lhe para a cara. Estava com o aspecto descuidado mas muito sedutor. Provocava nos homens pensamentos atrevidos, vontade de afagar o seu cabelo e de se entregar a prazeres até ao amanhecer.

Endireitou-se, aclarou a garganta e pôs um chapéu para se proteger do sol. Logo a seguir tentou tirar da sua mente a ideia de ter o seu corpo enlaçado com o da Alison Samuels, nua.

Porque é que uma mulher citadina quereria mudar de Kansas City para Sundown, no Montana, e tomar a seu cargo a clínica de veterinária do velho doutor Sebring?

Por que razão aquela mulher, que estaria mais à vontade num cocktail e a usar vestidos de gala do que à luta com o gado, teria vindo estabelecer-se naquele lugar? Isso era um autêntico mistério.

Era tão intrigante quanto as calças de ganga justas, esticadas nas costuras quando ela se agachava, e os saltos das suas botas enterrados na terra enquanto tentava dominar o animal.

Coisa que não iria acontecer se ela continuasse com aquela técnica. Saltava à vista que, ao longo da sua experiência profissional, o maior animal que enfrentara fora, provavelmente, um gato aborrecido e eriçado como uma bola de pelo.

O bezerro, que devia pesar quase cento e cinquenta libras, deu um berro, cabeceou e acertou-lhe por baixo do queixo.

John estremeceu e abanou a cabeça.

Raios!

Aquilo deve ter doído.

Ele já levara cem golpes daquele tipo e tinha a certeza que a doutora Bombom devia estar com tonturas e a ver estrelas, mas viu como ela apertou os maxilares e se aferrou ao animal, como se estivesse a tentar ganhar o primeiro prémio de uma competição.

Não lhe faltava coragem, mas o seu olhar reflectia uma dor intensa. Quando ele leu essa dor nos olhos dela, amaldiçoou-se e decidiu ajudá-la.

Saltou por cima da cerca, agarrou o bezerro com uma chave e deitou-o de lado.

– Não lhe pedi ajuda – grunhiu a médica, sem fôlego, e tirando a tampa da seringa com os dentes para injectar o antibiótico no pescoço do irrequieto animal.

– E era evidente que não precisava da minha ajuda – John devolveu-lhe um sorriso amável e soltou o bezerro. – Mas eu não estava a aguentar vê-la a desfrutar sozinha de todo este divertimento.

Levantou-se e sacudiu a sujidade das calças. O bezerro correu para perto da sua mãe e John sentiu uns olhos de cor azul-prateado a cravarem-se nele através da espessa cortina de pó.

Pela intensidade do olhar parecia que ela ficara ofendida. Mas, por fim, abanou a cabeça e fez um sorriso de enfado.

– Bom… eu não quero estragar a diversão de uma criança – replicou, enquanto tapava novamente a seringa, guardava o instrumento na mala e lhe oferecia um ténue sorriso de agradecimento. – Obrigada.

Talvez fosse o facto de o ter chamado «criança». Talvez fosse a valentia que demonstrara depois de ter levado uma tremenda pancada do bezerro.

Ou talvez fosse devido ao simples prazer de a ver sorrir, mesmo que tenha sido apenas um esboço de um sorriso.

John perdia a cabeça com o sorriso de uma mulher bonita e, por isso, decidiu perguntar-lhe uma coisa que não lhe voltaria a pedir.

– Não quer agradecer-me como deve de ser enquanto janta comigo logo à noite?

Ela nem sequer pestanejou enquanto guardava as suas coisas e se dirigia para a carrinha. Lavou as mãos num alguidar com água e sabão e secou-as precipitadamente com uma toalha. Depois, tirou um frasco da mala refrigeradora que tinha na parte de trás da carrinha, e encheu as seringas com o antibiótico.

– Vai precisar de outra dose amanhã e mais uma para depois de amanhã – disse, entregando-lhe os medicamentos. – Se até meio da próxima semana não houver sinais de melhoras, avise-me.

John guardou as duas seringas no bolso da camisa.

– Está bem. E… quanto ao jantar?

Alheia à pergunta, Ali guardou os instrumentos médicos e dirigiu-se para dentro da carrinha.

– Tenha um bom dia, John! – disse, sentando-se ao volante.

John pôs-se à frente da porta, impedindo Alison de a fechar, e sorriu.

– É J.T. Os meus amigos chamam-me J.T.

– Tenho pressa – disse Ali, com cara de poucos amigos.

Raios, aquela mulher tinha muita personalidade. O suor escorria-lhe pela testa e o pó cobria-lhe as faces. As madeixas húmidas formavam caracóis que se colavam à pele da cara e do pescoço.

Raios! Começava a notar-se uma nódoa negra por baixo do queixo.

Sim, até neste estado ela era muito especial. E, se não perdera a conta, ela estava a rejeitá-lo pela sexta vez desde que chegara a Sundown, um mês antes.

– É melhor pôr um pouco de gelo nessa pancada – sugeriu-lhe e apontou para o seu próprio queixo com o dedo indicador.

– Será a primeira coisa que farei assim que tiver tempo.

Coisa que não acontecia com frequência, pelo que interpretara das suas palavras.

– Espere um momento. Vou trazer um saco de gelo.

– Não tem que fazer isto.

– Claro que tenho – insistiu John. – Não se mexa.

Dirigiu-se para o armazém onde guardava as ferramentas, deixando Ali com a frase por acabar.

Ele encontrou um saco de gelo no congelador e voltou para a carrinha. As pancadas e as entorses estavam na ordem do dia quando se trabalhava numa fazenda com gado.

– Obrigada – disse Ali, reticente, quando ele lhe entregou o saco de gelo.

– Pode agradecer-me vindo jantar comigo. O que acha? Acho que já passámos por isto.

– Porque razão é que se empenha tanto nisso? – disse ela, de repente. – Porque é que insiste? Já sabe qual vai ser a resposta.

– Imagino que seja do interesse próprio das crianças pela diversão.

– Eu pensava que era uma intensa teimosia.

John agarrou o lóbulo da orelha e sorriu.

– Sim, também é isso – assentiu. Quando se trata de algo importante, eu sou teimoso como uma mula.

– E é-lhe assim tão importante que eu aceite o seu convite para jantar? Porquê? A sério que não percebo.

– Por amor de Deus, mulher! Nunca te viste ao espelho?

Os seus olhares cruzaram-se por um instante enquanto o sol caía sobre eles. Rítmico, pesado e quente.

– Isto é tudo muito lisonjeador – disse Ali, dando um suspiro. – És muito amável…

– E muito bonito – acrescentou John, feliz por ver que aquela pequena loucura lhe arrancara um pequeno sorriso.

– Para além de humilde – disse Ali, fazendo um gesto com a cabeça. – Mas eu não estou…

– Interessada. Eu já sei. Está bem… não penses que estou a tentar marcar um encontro. Interpreta isto como quiseres. Imagina que é uma boa acção entre vizinhos. Olha, tu és solteira e eu também. Somos ambos independentes. Qual é a parte da equação que tu não percebes?

Ela ligou o carro, agarrou no volante com força e olhou-o nos olhos com grande determinação.

– Não vai acontecer – disse, suspirando novamente. – Eu percebo se decidires chamar outro veterinário.

John ignorou imediatamente essa ideia e olhou para ela de soslaio.

– É por causa da idade? Porque se é por isso…

– Esquece! – exclamou Ali, apoiando a testa no volante. – A diferença de idade não tem nada que ver com isto.

– Percebo – disse.

John tinha trinta e dois anos e ela tinha feito quarenta. Ele obtivera esta informação através da sua amiga Peg Reno, que entretanto se tornara muito amiga da doutora. Ele não achava que isso fosse um problema. Mas ela, pela reacção que teve, não pensava da mesma forma.

– Vá, doutora – disse ele, em tom sedutor. – É apenas um jantar. Não estou a pedir-te para ires para a cama comigo.

Ela arqueou a sobrancelha e olhou-o com cepticismo.

Tinha-o apanhado. Levou a mão ao queixo. Na verdade, era mesmo isso.

Quando os seus olhares se cruzaram, ele sentiu no olhar dela algo que lhe atravessou o peito como uma bala.

Durante alguns instantes carregados de tensão emocional, ele sentiu que a acusação dos seus olhos azuis se transformava num desejo ardente… e, logo a seguir, o pânico e a negação.

Se não tivesse estado com atenção teria perdido aquele desfile de emoções porque, segundos depois, ela meteu a mudança, arrancou a toda a velocidade e desapareceu pelo caminho de terra batida, levantando uma nuvem de pó.

Naquele instante, depois daquela fuga da doutora, ele finalmente compreendeu.

– Será possível! – balbuciou por entre os dentes, dirigindo-se para o estábulo.

Ela queria a mesma coisa que ele, muito mais do que apenas um jantar, mas essa ideia deixava-a aterrada.

Uma ideia que a apavorava mas que, inexplicavelmente, a entristecia.

Aquela mulher era um poço de contradições e de complicações… e isso remetia para uma pergunta óbvia: porque é que ele estava a fazer aquilo?

Porque a doutora era linda. Era essa a razão. Agarrou na sela do Nevado e dirigiu-se para o estábulo. A Alison Samuels era uma mulher atraente, inteligente e madura. Era muito diferente da maioria das mulheres que se atiravam a ele e, por certo, uma bomba na cama.

E tudo indicava que não estava à procura de um compromisso emocional. Achou que esse era outro ponto a seu favor. Sussurrou à sua égua que chegara para comer.

Tirou do bolso uma escova e, enquanto escovava o lombo da égua, lembrou-se dos olhos azuis da Alison.

Uns olhos azuis que estavam sempre atentos, distantes… um sinal inequívoco de que ela respeitaria a sua intimidade.

E a intimidade roubava-lhe cada vez mais tempo à vida. Travava diariamente uma batalha para conseguir manter-se afastado do mau caminho, do buraco negro que ameaçava engolir-lhe a vida.

Na maioria dos dias ele saía vitorioso. Mas noutros… noutros não tinha ânimo para a guerra.

Nesses dias não estava para ninguém.

Era apenas uma pessoa.

Na melhor das hipóteses, selava a sua égua e cavalgava sem rumo para deixar para trás toda aquela escuridão. Mas, nos piores momentos, trancava-se no seu quarto. Apagava as luzes, refugiava-se nas sombras e esperava até voltar a sentir-se humano.

Ficava à espera até conseguir reunir as forças necessárias para enfrentar o mundo novamente. Quando estava cercado por esta escuridão, sentia-se um verme.

Transtorno de Stress Pós-traumático.

Era assim que os médicos o tinham definido. Era o resultado da sua experiência no campo de batalha.

Já tinham passado dois anos.

Tinha decidido tornar-se soldado. Falsificara os documentos de aptidão física para conseguir ir para a frente de batalha em vez de um escritório. Conseguira chegar à frente, mas os seus companheiros tinham sido os instrumentos cirúrgicos em vez de uma arma.

Fora enviado para a frente como médico e, desde essa altura, sofrera com as sequelas daquilo que fizera e daquilo que vira.

Sim, chamavam àquilo Transtorno de Stress Pós-traumático, mas ele chamava-lhe outra coisa: fraqueza.

A sua incapacidade de superar aquilo envergonhava-o. Tinha tanta vergonha que escondia sempre o problema. Escondia-o dos seus amigos e da sua família. Por vezes, conseguia escondê-lo de si próprio durante semanas.

John Tyler? Foi um bom soldado. Qualquer pessoa o diria. Nada afecta o J.T. Está sempre a sorrir. Está sempre a namoriscar com as mulheres. É um homem livre. E coitada da mulher que algum dia tentar fazer com que ele assente.

Bom, nenhuma mulher terá que se preocupar com isso porque nenhuma mulher terá que suportar esse peso durante muito tempo.

No instante em que uma mulher mostrava indícios que queria algo mais do que uma relação física e uns bons momentos na cama, ele desaparecia.

Quando começavam a contar-lhes as suas vidas queriam também que ele lhes contasse a sua, e isso nunca acontecia.

A última coisa que queria era uma relação estável e a intimidade emocional que isso implicaria.

Essa ideia levou-o a pensar novamente em Alison.

Suspeitava que aquela loira também tinha os seus segredos. Lera-o nos olhos dela. Havia alguma coisa no seu passado que ela queria esquecer ou que estava guardado a sete chaves.

Mas ele não queria saber o que era, tal como ela não quereria saber do segredo dele.

– O que achas, linda? – murmurou, acariciando o pescoço do cavalo. – Acho que ela é exactamente o que o médico me recomendou. Uma mulher independente que não quer um compromisso nem fazer uma análise psicológica da minha pessoa.

A égua permaneceu quieta enquanto ele lhe punha uma manta sobre o dorso.

– Podias ser um pouco mais diligente? – prosseguiu e selou o cavalo. – Não? Bom, terei que me guiar pelo meu instinto.

Enquanto estava a tirar a Nevado do estábulo, o seu instinto disse-lhe que ele estava a precisar de algo que lhe desse luta. Um desafio que implicasse uma recompensa, algo que fosse além do alívio que sentia por superar um novo dia.

A doutora era, sem dúvida, um desafio e uma recompensa.

Montou a égua e cavalgou na direcção da pradaria com vontade de dar um grande passeio, um passeio que lhe desse alternativas para conseguir persuadir a doutora a ir ao seu terreno.

Assim, manteria a mente ocupada e manteria afastado o negrume dos seus pensamentos mais profundos.