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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2004 Mary T. Burton

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

A noiva de outro, n.º 91 - Junho 2014

Título original: The Lightkeeper’s Woman

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

Publicado em português em 2005

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5203-7

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Prólogo

 

1882

 

Nunca havia tempo suficiente para estarem juntos.

Por mais que tentassem, era difícil conciliar a vida que Caleb levava no mar com os dias em que Alanna conseguia fugir para ir ter com ele.

Alanna Patterson estava de pé, à porta do camarote do capitão. A brisa nocturna era quente e húmida e um manto inacabável de estrelas brilhava no céu escuro.

Era uma noite de amantes.

As águas gentis do rio James banhavam as costas do Intrépido.

Fechou os olhos e respirou fundo.

O odor musgoso do molhe misturava-se com o das pilhas de tabaco e o da madeira recentemente cortada. Tinham carregado o navio naquela tarde e agora estava pronto para partir.

Tão cedo ela não voltaria a ver Caleb.

Ai, se aquela noite pudesse durar para sempre!

Uns braços fortes rodearam Alanna, envolvendo-a no seu calor. Subiu a mão até eles acariciando a pele morena do homem.

– Caleb.

Este beijou-lhe a face. A sua barba espessa fez-lhe cócegas na pele, mas ao mesmo tempo adorava sentir a sua pele a ser acariciada.

– Volta para a cama.

Alanna atirou a cabeça para trás, apoiando-a no peito nu dele. Nos braços de Caleb sentia-se segura e em paz. Não queria afastar-se dele.

– Faz-se tarde. Tenho que chegar cedo a casa, antes que alguém se aperceba da minha ausência – disse Caleb, respirando fundo.

– Não quero que isto termine.

– Eu também não – murmurou ela.

– Adoro as noites que passamos juntos. Adoro sentir o teu cheiro e saborear a tua pele nos meus lábios. Adoro saber que és minha. Cada vez que te tenho, sinto-me completo. Por isso odeio quando vais embora. Porque sinto falta de parte de mim.

– Logo estaremos casados e não terei que partir ao amanhecer. Acordaremos juntos, com os nossos corpos colados, como se fôssemos um só.

Caleb apertou-a com força.

– Fica comigo. Acompanha-me nesta viagem.

A ideia era tentadora, mas logo a razão se impôs. Alanna sabia que não podia simplesmente partir com Caleb. O seu pai nunca consentiria. Não antes de se casarem.

– Não posso ir agora embora de Richmond, tu sabes disso. Estarás de volta dentro de seis semanas. Não é assim tanto tempo.

– Seis semanas são uma vida inteira.

Caleb agarrou-a pelos ombros e voltou-a para ele. Alanna olhou para os seus olhos azuis cheios de amor e ternura.

– Casa-te comigo.

Ela apoiou as mãos no seu peito nu. O coração pulsava com violência sob os dedos.

– Casar-nos-emos quando regressar, disse.

Caleb agarrou uma madeixa do cabelo loiro dela entre os seus dedos.

– Faltam três meses para a cerimónia. Eu quero desposar-te agora.

Alanna sorriu.

– É de noite.

– A quatro quarteirões daqui há uma igreja. Acordarei o pastor.

A jovem percorreu a face dele com o seu dedo.

– Não podemos acordar o pastor, não seria correcto.

O olhar dele tornou-se mais sombrio.

– Por que não? Farei um donativo grande à igreja, para compensar o mal causado.

Alanna sentia nele um desespero que nunca havia sentido.

– O meu pai quer dar-nos um grande casamento como forma de restabelecer a paz. Depois de tudo o que tivemos que enfrentar para ficarmos juntos, ele sente que nos deve isso. É a sua forma de se redimir e de nos abençoar.

Se a minha mãe estivesse viva, quereria o melhor para mim.

Não quero causar-lhe essa decepção.

– Voltaremos a casar-nos diante de todos, se isso for o que queres, mas eu quero desposar-te esta noite.

Alanna agarrou nas suas mãos.

– A que propósito vem a ser essa mudança repentina? – perguntou e Caleb suspirou.

– Considera-o um mau pressentimento.

Acariciou-lhe o queixo. Os marinheiros acreditavam muito em pressentimentos. Muitas vezes guiavam-se por eles quando iam para o mar.

E Caleb, apesar de ser muito lógico, não era imune ao pressentimento que agora lhe oprimia o peito e o avisava para não se despedir de Alanna.

– Não há nada com que preocupares-te. O meu pai deu-nos, finalmente, a sua bênção. Já nada pode separar-nos.

– Quero que o mundo saiba que és minha. Quero dizer a toda a gente que te amo e sempre te amarei. Quero poder acordar contigo nos meus braços. Amo-te mais do que tudo na vida e, se te perdesse, ficaria louco.

Alanna apertou-lhe a mão. Caleb era um homem muito forte fisicamente, mas não se importava de mostrar a vulnerabilidade do seu coração. Alanna sabia bem que a vulnerabilidade de Caleb era ela. Assim como ele era a perdição de Alanna.

– Não preciso de um pastor que sele o meu amor por ti. O meu amor por ti é forte e verdadeiro, e as noites que passamos juntos são a prova disso. Estarei à espera quando voltares a partir, dentro de seis semanas. Sou tua e amar-te-ei para sempre, Caleb Pitt.

– Sempre – ele olhou para as suas mãos unidas e beijou-lhe os dedos. – Repete-o.

– Amar-te-ei sempre, Caleb. Sou tua para sempre. Nunca deixarei de te amar e nunca me esquecerei de ti. Ninguém irá ocupar o teu lugar.

– Eu também te amo, Alanna. Na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença. Até que a morte nos separe.

A jovem olhou-o com olhos cheios de lágrimas.

– Nada nos separará.

Um

 

Dois anos mais tarde.

O motorista pisou o travão e gritou:

– Easton, Carolina do Norte.

Alanna Patterson afastou a cortina suja da carruagem e contemplou a pobre colecção de edifícios cinzentos de madeira escura.

A rua principal não passava de uma ruela talhada na lama pelas rodas dos carros. Os poucos pescadores e mulheres que haviam na rua estavam tão deteriorados como as casas, como se eles também tivessem suportado muitas tempestades de Inverno e muitos Verões quentes e húmidos. Tudo naquele lugar era escuro e sujo, como se a Deus tivesse abandonado as pessoas, as ruas, as casas. Estava no fim do mundo.

O que teria levado Caleb a instalar-se num lugar assim?

A última vez que Alanna o vira, fora na coberta do Intrépido, quando se preparava para largar âncoras. Estava tão orgulhosa dele. O seu casaco azul-marinho de capitão moldava perfeitamente o seu tronco musculado e as calças ajustavam-se às suas pernas, abertas para compensar o movimento do navio.

Caleb sorria e agitava a mão, enquanto gritava algo. O vento abafava a sua voz de barítono, mas isso não era importante. Sorria e despedia-se também com um aceno de mão. Estava tão segura de que o seu futuro ia estar cheio de palavras de amor, que não lhe importava de perder umas quantas.

Oh, que tola!

Quando o motorista abriu a porta, Alanna recolheu a sua saia de veludo. O homem alto e anguloso segurou-a pelo cotovelo, para ajudá-la a descer. As suas botas de cano alto e suave pele cinzenta afundaram-se na lama até aos cordões.

– Os meus sapatos! – exclamou Alanna.

– Não podia ter posto uma tábua?

– Todo a gente sabe que as pessoas elegantes não duram muito aqui em Easton – contrapôs o homem.

Alanna tirou o pé da lama. A cor pálida do couro das suas botas ficaria manchada de castanho para sempre.

– Suponho que no seu trabalho como motorista veja muitas pessoas que não são de Easton. Podia ter a gentileza de avisá-las sobre o estado das ruas.

O motorista encolheu os ombros, em sinal de indiferença, e tirou a bolsa dela da carruagem.

– Os únicos forasteiros que vêm para Easton são os que naufragam aqui.

E alegram-se tanto por estarem vivos, que o estado do seu calçado não os preocupa.

Alanna pensou que a maioria certamente não pagara tanto como ela pelo calçado. Agarrou na bolsa.

– Obrigada pela sua ajuda, mas já me consigo arranjar sozinha a partir daqui.

Ele puxou a bolsa, aproximando a jovem até si. Àquela distância, Alanna conseguia ver o pó que cobria o seu rosto marcado pela varíola e cheirar o odor a genebra barata e peixe rançoso da sua roupa.

– Vi que não vieram esperá-la.

– A minha visita é uma surpresa.

O motorista sorriu.

– A sério? Porque eu ficaria feliz por ajudá-la no que precisasse. O meu nome é Roy Smoots.

A jovem não deixou de perceber a proposta implícita nas suas palavras. Em qualquer outra altura, tê-lo-ia colocado no seu devido lugar, mas como ele mesmo dissera, estava ali sozinha.

Libertou a sua bolsa com um puxão e recuou um passo, cambaleando na lama escorregadia, até que conseguiu recuperar a postura, com o chapéu pendendo sobre a orelha direita.

O homem desatou a rir.

– De certeza que não precisa de ajuda?

Alanna endireitou o seu chapéu.

– Diga-me só onde posso encontrar a Taberna da Rosie.

O motorista pareceu mais divertido ainda.

– Rua abaixo. Mostrar-lhe-ei com todo o prazer.

– Não se incomode, senhor Smoots

Alanna pôs-se a andar pela lama.

Smoots colocou-se ao seu lado.

– Não é incómodo nenhum.

Procurou não fazer caso e subiu ao passeio de madeira, onde sacudiu os pés para tirar a lama antes de começar a andar pelas tábuas cinzentas.

A bolsa chocava a cada passo com as suas aborrecidas saias, dificultando ainda mais a tarefa de andar por aquele velho passeio.

A taberna era um edifício de dois andares, com uma tabuleta de madeira na qual aparecia o nome de Rosie em letras pretas, debaixo de uma rosa vermelha. Tanto o cartaz como o edifício pareciam tão deteriorados como o resto da vila.

Alanna agarrou o trinco sujo.

– Quando parte a próxima carruagem de Easton, senhor Smoots? – perguntou.

O sorriso do motorista fez-se mais amplo.

– Eu parto ao amanhecer.

– Reserve-me um lugar. Irei embora desta vila quanto antes.

– Certamente, menina. O que vai fazer esta noite?

Alanna ignorou a pergunta e empurrou a porta. Deteve-se à espera que os seus olhos se habituassem à penumbra. A sujeira cobria as janelas pequenas da estalagem e bloqueava o sol do meio-dia. Umas duas dúzias de pescadores observavam-na por cima das suas canecas. A maioria tinha barbas fartas e uma pele tão estragada pelo vento e pelo sol como as tábuas da calçada.

Os seus comentários envolviam a jovem e uma fome perigosa escurecia os seus olhos. Começaram a suar-lhe as mãos, em parte aquecidas nas suas luvas de veludo, mas também pelo nervosismo que se começava a instalar nela e, pela primeira vez, deu-se conta do tão só que estava.

Era o tipo de homens com quem estava habituado a navegar Caleb e, embora os respeitasse como marinheiros, procurava sempre afastá-los dela.

Agora entendia porquê.

Smoots pôs-lhe uma mão no ombro.

– De certeza que não quer a ajuda do Roy?

Alanna afastou-se.

– Não, obrigada.

Ele aproximou-se tanto que ela pôde sentir o seu fôlego quente no ouvido quando disse:

– Não diga que não a avisei.

Passou ao seu lado, tocando o ombro dela com o seu, e aproximou-se de um canto escuro onde estavam três marinheiros sentados. Disse-lhes algo e todos riram e olharam para ela.

Alanna sabia que começava a faltar-lhe a coragem. Quando recebera há dias a mensagem de Caleb, o impulso de emendar velhas ofensas fora muito forte, mas o tempo e o medo tinham apagado um pouco o fogo.

O barman, um homem forte, com uma barriga tão grande que lhe pendia por cima do cinto, levantou o copo de genebra que servia. Olhou-a surpreendido, pousou a garrafa no balcão e avançou para ela.

Tinha uma barba vermelha já grisalha e usava um brinco de ouro na orelha esquerda. Dava a impressão de que o seu nariz torto se quebrara mais do que uma vez. Sorriu e limpou as mãos no avental sujo.

– O meu nome é Sloan. Em que posso servi-la?

Alanna sentia a boca tão seca como algodão.

Os seus dedos apertavam com força as asas da bolsa. Respirou fundo antes de responder.

– Procuro o capitão Pitt – murmurou.

Da cara de Sloan desapareceu todo rasto de humor.

– Quem disse?

– Caleb Pitt – repetiu ela, em voz alta. – Sabe onde posso encontrá-lo?

Um silêncio de morte apoderou-se da taberna e os homens, que antes olhavam para Alanna com curiosidade e desejo, afastaram os olhos dela de imediato, como se tivesse pronunciado alguma blasfémia.

Sloan esgotou os seus próprios olhos a observá-la e ela teve a nítida impressão de estar a ser julgada e perguntou-se por um instante se Caleb teria falado dela.

– Não está na vila – respondeu o barman.

A tensão que envolvia os músculos dela transformou-se em raiva.

– Eu pensava que vivia aqui. Deu-me Easton como a sua morada.

– Vive aqui às vezes, mas agora não está aqui.

– Onde posso encontrá-lo?

Sloan apontou para a porta.

– É melhor ir-se embora.

Alanna não podia voltar para Richmond, estando tão perto de resolver aquele assunto de uma vez por todas.

– Não posso ir embora. Não antes de fazer o que vim aqui fazer. Venho desde muito longe para me ir embora agora.

O hospedeiro começou a andar para o balcão.

– Oiça o que lhe digo. Vá embora.

Alanna levantou o queixo.

– Tenho a certeza de que alguém me dirá onde posso encontrar o capitão. Estou disposta a pagar – disse, em voz alta.

Olhou em seu redor. Os homens da estalagem começavam a falar entre eles e tinha a impressão de que o assunto de conversa era ela.

Sentia-se como um isco entre tubarões, mas entrou cada vez mais na estalagem, consciente de que Sloan olhava para ela, e dirigiu-se até uma mesa vazia num canto, onde pousara a sua bolsa. O hospedeiro foi até ela.

– O que é que pensa que está a fazer?

– Estou a sentar-me – apontando para uma velha cadeira.

– Não pensa puxar-me a cadeira? – perguntou ela, com o nariz empinado e as costas muito direitas.

Sloan olhou-a fixamente por um momento e, em seguida, puxou a cadeira debaixo da mesa com um suspiro.

– Descanse uns minutos e depois quero que se vá embora.

Alanna dedicou-lhe o melhor dos seus sorrisos e sentou-se de costas para a parede.

Demorou um momento a colocar os folhos das suas saias de veludo.

O hospedeiro apoiou uma mão nas costas da cadeira onde Alanna estava sentada e inclinou-se para lhe falar em voz baixa.

– Sei quem é e posso dizer-lhe que o capitão não quer ter nada a ver consigo. Faça-me um favor. Deixe o passado enterrado.

Alanna corou intensamente. Não esperava ser confrontada tão directamente em relação ao seu passado. Pelo menos, não por um estranho. Quantas vezes rezara ela para que o passado desaparecesse de uma vez por todas? Mas, sempre que tinha a felicidade ao alcance da sua mão, a amargura e a raiva provocadas por um milhar de perguntas sem resposta impediam-na de desfrutá-la.

As lágrimas não derramadas queimavam-lhe a garganta.

– Não tenho outro remédio a não ser procurar o capitão Pitt – respondeu.

Sloan abanou a cabeça e endireitou-se.

– Pois é uma pena.

A ironia da situação quase fez rir Alanna. Durante dois anos evitara a ideia de ver Caleb. E agora que estava tão perto, encontrava um impedimento após outro, como se o destino não quisesse que o visse.

Cruzou as mãos no colo.

– Não irei até que o veja. O hospedeiro abanou a cabeça.

– Isso não funciona assim, menina. Não lhe basta querer ver o capitão. Você diz-me o que quer com ele e eu decido se falo.

Alanna compreendeu que teria que lhe dar alguma informação.

– O meu pai morreu recentemente. Deixou um embrulho para o capitão e vim entregar-lho.

– Que tipo de embrulho? – perguntou o estalajadeiro.

Alanna tirou uma caixinha de madeira do bolso da sua capa e pousou-a na mesa.

Media cerca de quinze centímetros de lado e tinha uma fechadura de bronze brilhante.

Era a mesma caixa que o advogado do seu pai enviara a Caleb e ele devolvera, com o bilhete que despedaçara o coração de Alanna.

Apesar de estarem separados.

Apesar de tudo.

– Este.

Sloan olhou a caixinha.

– Dê-me isso a mim e levarei para a ilha da próxima vez que leve fornecimentos ao capitão. Não se preocupe mais, que eu entrego-lha.

Alanna recordou a tensa resposta de Caleb à sua carta. «Não quero nada do teu pai nem de ti. Está tudo terminado entre nós.»

O fogo que a impelira a percorrer centenas de milhas começou a arder de novo.

– Penso entregar-lhe pessoalmente.

Sloan enrugou a testa.

– Este seu desejo de vê-lo não chega um pouco tarde?

Alanna levantou o queixo na defensiva.

– Há coisas que você não sabe.

O hospedeiro abanou a cabeça.

– Você traz problemas.

– Se pensa que a sua pouca disposição em ajudar-me vai fazer com que desista, engana-se. De um modo ou de outro, verei o capitão.

– Como queira, mas nem eu, nem ninguém desta vila a ajudará. Sabemos bem tudo o que o capitão passou por sua causa – disse, afastando-se.

Alanna ficou de pé.

– Senhor Sloan!

– Não encontrará ninguém que a leve – disse o estalajadeiro, já enervado com Alanna.

– Não tenho a intenção de causar problemas ao capitão.

Sloan não respondeu.

Alanna, frustrada, olhou para o balcão, onde cinco marinheiros a olhavam fixamente, atentos à discussão que se desenrolava em torno deles.

– Necessito de alguém que me leve à ilha Barrier – disse, em voz alta para que todos a ouvissem.

– Estou disposta a pagar.

Os marinheiros baixaram a olhos.

– Ninguém a levará – disse Sloan, por detrás do balcão.

– Já lhe disse que pode desistir, aqui ninguém a irá ajudar.

– Só quero dar-lhe esta caixa e, em seguida, deixá-lo-ei em paz.

– Deixe em paz o capitão – gritou um marinheiro.

– Sim, é um bom homem que não necessita que uma mulher como você lhe estrague a vida – disse outro.

Alanna olhou para a estalagem cheia de caras sombrias. Todos os homens que ali estavam olhavam para ela com um ar ameaçador.

– Não pretendo fazer-lhe mal nenhum.

– Parta! – gritaram vários.

A jovem, surpreendida pela sua fúria, olhou para Sloan.

– Só quero dar-lhe esta caixa. O hospedeiro abanou a cabeça.

– Desde que o capitão se encarregara do farol, salvou muitas vidas. Muitas pessoas gostam do capitão como se ele fosse da família. Nesta vila toda a gente tem um amigo ou um parente que deve a vida ao capitão. Posso garantir-lhe que ninguém a levará até ele.

Ela abriu a boca, disposta a discutir e argumentar, mais uma vez, que não queria mal a Caleb, quando viu que um marinheiro avançava para ela.

Era um homem mais velho, com calças muito largas para o seu corpo, camisa suja e amarrotada, e um casaco que cheirava a peixe.

Usava o cabelo comprido, também ele muito sujo, atado na nuca com um pedaço de corda velha e tinha uma barba espessa e cinzenta tão comprida que lhe chegava até ao peito.

– Quer mesmo ir às orlas exteriores?

A jovem hesitou ao olhar para os olhos escuros e matreiros. O homem parecia um pirata e certamente teria a ética de um. Se não tivesse tanta pressa em voltar para Richmond, jamais teria considerado a sua oferta.

– Sim.

Sloan fez uma careta.

– Volta para o buraco de onde saíste, Crowley. A dama não necessita da tua ajuda.

– Não faça caso – interveio Alanna.

– Preciso de uma passagem para a ilha Barrier.

O marinheiro pousou a sua caneca de cerveja meio vazia na mesa e sentou-se em frente a ela.

– Vamos falar.

Sloan lançou uma maldição.

– Não seja idiota, menina. Você não se quer meter com esse homem.

– Obrigada, senhor Sloan – repôs ela. – Mas eu consigo cuidar de mim sozinha.

O hospedeiro olhou-a fixamente.

– Você é tão teimosa como Caleb diz.

Muito bem, vá com Crowley, se é isso que quer fazer. Não sei por que me preocupei. Na verdade, penso que são iguais.

Alanna sentiu um nó na garganta.

Caleb disse que era teimosa?

Desejava perguntar ao hospedeiro o que mais dissera dela, mas o orgulho não o permitia.

Olhou para Crowley.

– Pode levar-me lá, senhor...?

O velho olhou-a por cima da sua caneca.

– Não sou nenhum senhor, só Crowley.

– Alanna Patterson – interpôs ela, surpreendida que a sua voz soasse firme.

– Eu levo-a lá se estiver disposta a pagar.

A jovem apertou a bolsa de tecido que pendia do seu braço.

– Ofereço-lhe dois xelins.

– Que sejam antes cinco dólares.

Ela ficou de boca aberta.

– Cinco dólares? Não tenho tanto dinheiro.

Crowley olhou para a sua capa luxuosa com uma bainha de brocado e começou a levantar-se.

– Muito bem. Procure outro.

Alanna sabia que provavelmente aquela seria a sua última oportunidade de voltar a ver Caleb. Era óbvio que ninguém ia ajudá-la na vila. Brevemente, estaria casada e sem poder voltar atrás.

Tirou uma nota enrugado da bolsa.

– Pagar-lhe-ei um dólar.

Crowley olhou-a.

– Não a ouço.

Temerosa de que outros ouvissem que trazia dinheiro consigo, baixou a voz.

– Está bem, dois dólares. Mas é tudo o que tenho.

O velho voltou a sentar-se.

– Feito.

Alanna empurrou o dólar para ele.

– Dar-lhe-ei o outro quando voltarmos.

O marinheiro farejou a nota e, depois de comprovar que não era falsa, guardou-a no bolso das calças.

– De acordo. O meu navio é o Bruxa do Mar. Está atracado no molhe com todos outros. Ver-nos-emos lá de manhã.

– Não posso esperar tanto. Tenho que regressar a Virgínia amanhã.

A tensão que se acumulava na espinha dorsal de Alanna forçou-a a explicar-se.

– Tenho um compromisso a que não posso faltar.

A verdade era que Henry proibira-a de falar de Caleb.

Obviamente, tinha ciúmes do passado deles.

Se não estivesse de regresso na sexta-feira, quando ele voltasse de Nova Iorque, dar-se-ia conta da sua ausência e ficaria furioso.

Crowley encolheu os ombros.

– Venha para molhe dentro de meia hora.

– Lá estarei.

Quando o velho se afastou, Alanna envolveu a caixinha num tecido e guardou-a no bolso lateral da sua capa, que fechou com um botão.

Estava a proteger o que era de Caleb. Mesmo inconscientemente, ela não conseguia evitar.

Cedo estaria cara a cara com Caleb.

Sentiu um nó no estômago, mas consolou-se pensando que no dia seguinte tudo teria terminado.

A voz afiada de Sloan tirou-a dos seus pensamentos.

– Não pensa viajar com Crowley, pois não?

A jovem não gostou do seu tom.

– Já lhe disse que isso não lhe diz respeito.

Rugas de preocupação rodearam os olhos de Sloan.

– Nem uma mulher como você merece alguém como Crowley.

O orgulho impedia Alanna de voltar atrás.

Desde o suicídio do seu pai há um ano atrás, habituara-se a cuidar de si mesma.

Para proteger a sua dignidade e a dignidade da firma, lutara com os credores, vendera jóias de família e vira como o seu mundo se descontrolava, no fim.

Apesar de todas as lutas, de todo o esforço, Alanna vira o seu mundo desabar por completo.

– Obrigada pelo conselho, mas sei tomar conta de mim.

– Vá para casa.

Alanna quisera explicar-lhe que aquela viagem era das coisas mais duras que realizara em toda a sua vida. Perdera peso e passado semanas sem dormir e isso notava-se bem na sua cara, no seu corpo franzino. Qualquer pessoa que a conhecesse percebia que Alanna estava com má cara, pálida e magra.

Mas queria livrar-se do passado e das lembranças de Caleb de uma vez por todas, e só o conseguiria fazer quando lhe entregasse a caixa e obtivesse algumas respostas que procurava há já dois anos.

Mas não disse nada. Sloan tinha razão. O seu lugar não era ali, e quanto mais depressa terminasse a sua tarefa, melhor.

– Cheguei demasiado longe para recuar agora.