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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Janice Maynard. Todos os direitos reservados.

A FILHA DA EMPREGADA, N.º 1124 - Abril 2013

Título original: The Maid’s Daughter

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

Publicado em português em 2013.

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® ™. Harlequin, logotipo Harlequin e Desejo são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2932-9

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo Um

 

A estrada estava salpicada de folhas amarelas. Devlyn Wolff fazia as curvas com confiança no seu Aston Martin de colecionador, apesar de ter escurecido e de o asfalto estar molhado.

Por muito depressa que conduzisse, não conseguia deixar para trás as preocupações. Passara apenas uma semana na montanha Wolff e o pai e o seu tio Vic já estavam a deixá-lo com os nervos em franja. Se o tinham nomeado diretor executivo da Wolff Enterprises há dois anos devia ser porque confiavam nele. De qualquer forma, pareciam gostar de lhe testar a paciência e de lhe dizer constantemente o que tinha de fazer.

Em Atlanta fora mais fácil, pois os dois patriarcas apenas conseguiram contactá-lo por correio eletrónico e por telefone. A verdade era que tinha sido difícil para eles cederem o controlo da empresa. Por isso, Devlyn fazia os possíveis para que se sentissem envolvidos no negócio e isso incluía viagens frequentes a casa.

Os pneus deslizaram um pouco ao entrar na estrada local. Devlyn conhecia bem aqueles caminhos. Aprendera a conduzir por aquelas bandas e batera pela primeira vez contra uma árvore a poucos quilómetros dali. Recordando-o, reduziu a velocidade.

Nesse instante, os faróis de um carro que se aproximava de frente cegaram-no. O veículo fez a curva e entrou um pouco na faixa dele. Devlyn ficou tenso, apertando o volante para não perder o controlo.

Mas o outro carro não teve tanta sorte. O pequeno Honda passou a toda a velocidade e chocou contra um poste de telefone. Devlyn parou na berma e saiu a correr para lá, enquanto marcava o número das emergências. Quando chegou ao veículo sinistrado, a condutora estava a abrir a porta. Os airbags tinham aberto. A mulher cambaleou, esfregando uma linha de sangue que lhe escorria pelo rosto. Tinha uma ferida na cara.

Devlyn conseguiu segurá-la antes que desmaiasse.

– Calma – disse ele. Infelizmente, o piso não era muito firme debaixo dos pés dele e, ao segurá-la, escorregou e caiu com ela, amparando-lhe a queda.

Sem soltá-la, tirou-lhe o cabelo da cara.

– Estás bem?

– Quase me mataste – respondeu ela. Tinha os dentes a bater.

– Eu? – respondeu ele, arqueando as sobrancelhas. – Tu é que vinhas na minha faixa.

– Sou muito boa condutora – defendeu-se ela, erguendo o queixo.

– Segundo o que vi, não és – insistiu ele e, ao reparar que ela estava a tremer, apercebeu-se de que não era altura para falar disso. – O teu carro está desfeito. O serviço de urgência mais próximo fica, pelo menos, a quarenta e cinco minutos daqui. Será mais rápido se combinarmos com eles no vale seguinte. Eu levo-te.

– Disse o lobo mau.

– Como?

– Devlyn Wolff – murmurou ela, esforçando-se por sorrir. – O que é que te traz por aqui?

– Conhecemo-nos?

– Na realidade, não – respondeu ela enrugando o nariz. – Estou a ficar encharcada.

Devlyn estava tão preocupado com o acidente que nem se apercebeu de que estava a chover. Estavam apenas a um quilómetro do desvio para a Montanha Wolff, onde vivia o primo dele, que era médico. Mas Jacob estava fora.

Tenso e frustrado, Devlyn olhou para o relógio. Tinha um jantar de negócios importante com um investidor em Charlottesville, em menos de duas horas. No entanto, não podia abandonar uma mulher que podia estar ferida.

– Deixa-me levar-te para o meu carro. Podes estar mais ferida do que pensas – disse ele e, assim que pronunciou as palavras, arrependeu-se da sua falta de tato.

– És muito amável – respondeu ela, levantando-se com alguma dificuldade. – Mas estavas a ir para algum lugar, não estavas?

Devlyn levantou-se também.

– Posso mudar os meus planos – respondeu ele, encolhendo os ombros. Na verdade, ao fazê-lo, sabia que se arriscava a perder vinte milhões de dólares. Passara quase um ano a tentar convencer aquele potencial investidor a confiar nele. No entanto, o dinheiro era apenas dinheiro e ele sabia o suficiente sobre acidentes de carro para não ignorar o ferimento que aquela mulher tinha na cabeça.

Se se conseguisse encontrar com a equipa de emergências e a ambulância rapidamente, talvez ainda chegasse a tempo da reunião, pensou. Pegou na mulher ao colo e levou-a para o carro. Ela protestou um pouco, mas depois calou-se. Tremia-lhe o corpo como uma folha ao vento.

Devlyn imaginou o que podia ter acontecido. Era uma sorte ela estar viva, pensou, enquanto o perfume feminino o inundava. Cheirava a rosas.

Então, tropeçou e ela agarrou-se à camisa dele, fincando-lhe um pouco as unhas na pele. Durante uma fração de segundo, ele imaginou-se num cenário completamente diferente, com ela. Nua. Na cama dele.

Devlyn abanou a cabeça. Aquilo era muito estranho.

Pousou-a cuidadosamente no banco e voltou a correr para o local do acidente para apanhar a mala dela. Quando se sentou à frente do volante e olhou para ela, ela fez uma careta.

– Não vou morrer, prometo. Os airbags funcionaram bem.

– Podes ter razão. Mas estás com péssimo aspeto.

– Então... – disse ela, ficando boquiaberta. – A imprensa cor-de-rosa acusa-te de ser um mulherengo, mas se é isso que costumas dizer às mulheres, não acredito que tenhas muito sucesso.

– Que engraçada – respondeu ele e desligou a música. Não estava certo de que o rock fosse muito apropriado para uma mulher que acabava de sofrer um acidente.

O carro ficou em silêncio, à exceção do ruído dos limpa-para-brisas. A passageira enroscou-se no banco, sem abrir a boca.

Devlyn tentou lembrar-se se a conhecia de algum lugar, mas não conseguia concentrar-se.

– Detesto dar-te trabalho – disse ela, por fim. – Podes deixar-me em casa da minha mãe.

– Está em casa?

– Neste momento, não. Mas chegará de manhã. Foi a Orlando visitar a minha tia Tina – informou ela e fez um esgar quando o carro passou por um buraco. – tenho a certeza de que não irá acontecer nada.

– Não sejas ridícula. Os Wolff podem ter reputação de ser um pouco estranhos, mas não abandonamos pessoas feridas sem mais nem menos.

Devlyn não pôde ouvir a resposta dela, pois teve que travar a fundo para não atropelar um veado. O animal ficou petrificado um momento antes de desaparecer por entre as árvores.

– Já falta pouco – comentou ele minutos depois, quando entraram na estrada principal.

– Surpreende-me que conduzas o teu próprio carro. Pensei que só viajavas em limusinas com motorista.

Talvez fosse fruto da imaginação dele, mas Devlyn julgava perceber uma certa hostilidade nela. Talvez ela o culpasse pelo acidente. No entanto, havia algo mais, uma verdadeira intimidade, como se ela o conhecesse bem. Estava desconcertado. Estava habituado a que as mulheres se ajoelhassem a seus pés, não a que o olhassem com desdém.

Por fim, chegaram onde os esperava a ambulância. Ele travou e, antes que conseguisse sair do carro para ajudá-la, a misteriosa mulher saiu do carro e dirigiu-se aos médicos.

Devlyn correu atrás dela. Se a equipa de urgências decidisse que tinha que levá-la ao hospital, ele ficaria livre para se ir embora.

– Acham que é grave? – perguntou ele, enquanto a colocavam na maca dentro da ambulância.

– Saberemos daqui a pouco.

O homem de farda branca começou a medir-lhe os sinais vitais e a fazer-lhe muitas perguntas. Uma delas chamou a atenção de Devlyn.

– Nome?

Ela olhou para Devlyn e hesitou.

– Nome? – repetiu o médico, franzindo o sobrolho.

– Gillian Carlyle – respondeu ela, depois de um longo silêncio.

Gillian Carlyle, pensou ele para consigo mesmo. Por que motivo lhe parecia tão familiar? Não a conhecia, ou conheceria?

Enquanto o exame médico continuava, Devlyn aproveitou para observá-la com atenção. O aspeto não era muito chamativo. Tinha cabelo castanho, olhos escuros, pele pálida e uma figura delgada. A camisola de angorá e a saia por baixo dos joelhos que trazia não tinham nada de provocante.

Não era de todo o tipo dele, concluiu. Por isso era impossível que tivesse saído com ela no passado. No entanto, intrigava-lhe saber de onde conhecia aquele nome.

Por fim, os médicos permitiram a Gillian sentar-se.

– Obrigada – disse ela. – Agora sinto-me muito melhor.

O médico começou a guardar o equipamento e olhou para Devlyn.

– Disse-me que você é o bom samaritano que a ajudou. Pode levá-la a casa? Ela vai ficar bem, apesar de ter muitas nódoas negras e contusões. Assegure-se de que não fica sozinha esta noite, caso surja algo que não tenhamos visto. Deve ir ao médico para um exame amanhã.

Devlyn praguejou para com os seus botões. Seria impossível chegar a tempo ao jantar.

– Claro – afirmou ele com um sorriso forçado. – Será um prazer.

Depois de Gillian assinar a papelada do seguro, conduziu-a de novo ao carro, segurando-a pela cintura. sob a luz dos faróis da ambulância, viu-lhe o rosto e deu-se conta de que estava exausta.

Como a ia deixar numa casa vazia naquele estado?

– Podes ficar a passar a noite com alguém? Um amigo ou um vizinho, talvez?

– Não. Mas eu fico bem.

Devlyn ajudou-a a sentar-se, entrou no carro e ligou o aquecimento na potência máxima. Se ele tinha frio, ela, bem mais magra, devia estar gelada.

– Vou levar-te à Montanha Wolff – afirmou ele e suspirou, resignando-se ao facto de perder a reunião. – Temos muitos quartos de hóspedes. Ninguém te vai incomodar, mas terás toda a ajuda de que precisares. Chamarei o reboque de manhã para que vá buscar o teu carro.

Gillian olhou para ele, a tremer. Tinha os olhos chorosos.

– Nem sequer te lembras de quem sou, pois não? Apesar de teres ouvido o meu nome. Leva-me a casa, Devlyn. A tua montanha não é lugar para mim.

Então, de repente, ele lembrou-se.

Devlyn reviveu aquele dia com dolorosa clareza. Fora o funeral da mãe e da tia dele. Naquela tarde ensolarada, o tio e o pai fizeram questão de que as seis crianças espalhassem as cinzas das falecidas sobre um campo de rosas acabadas de plantar na encosta da montanha.

Para ele, tinha sido muito difícil. Assim que pôde, correra para refugiar-se na sua gruta secreta. Uma menina aparecera do nada e olhara para ele com compaixão.

– Lamento que a tua mãe tenha morrido – dissera a pequena, penteada com duas tranças iguais.

Devlyn sentira-se humilhado e envergonhado. Os rapazes não choravam e, muito menos, à frente das meninas.

– Odiava-a – tinha afirmado ele. – Ainda bem que morreu.

– Não sejas estúpido – respondera a menina com os olhos muito abertos. – Não podes odiar a tua mãe. Era muito bonita. Como uma princesa. A minha mãe deixa-me entrar no quarto do senhor Wolff às vezes, quando está a limpar... se me portar bem. Adoro olhar para as fotos da senhora Wolff que estão na parede – tinha acrescentado e estendera-lhe algo que tinha na mão. – Toma... fiz-te um cartão.

Devlyn ficara louco de raiva e desespero e queria dar por terminado aquele encontro o quanto antes.

– Não podes estar aqui – gritara-lhe ele, arrancando-lhe o cartão da mão e atirando-o ao chão. – Esta montanha é minha. Vai para a tua casa.

Nesse momento, ela encolhera-se, fazendo beicinho.

– Vai – tinha gritado ele. – Vai-te embora já.

Devlyn voltou a sentir o peso da culpa e do remorso. Durante duas décadas, carregara o ónus de ter magoado uma menina com as suas duras palavras. A mesma que tinha à frente dele naquele momento. Era como se o destino lhe tivesse dado uma segunda oportunidade.

Podia fingir que não a conhecia... Podia avisar que ia chegar tarde ao jantar de negócios e livrar-se de Gillian quanto antes. Mas não se sentiu capaz.

– Gillian – murmurou ele. – Gillian Carlyle. Há quanto tempo.

 

 

Tinha passado um quarto de século desde que Gillian tentara oferecer consolo a um menino que sofria. No entanto, o passar do tempo não conseguiu atenuar a lembrança de como se sentiu quando aquele pobre menino rico a rejeitou.

O pior era que ela sabia, mesmo naquela altura, que ele tinha razão. A mãe dela lavava casas de banho para ganhar a vida. Os Wolff eram mais ricos do que ninguém. Foi a primeira vez que ela compreendeu a dolorosa diferença entre ter e não ter.

– Demoraste muito a reconhecer-me – ripostou ela com ressentimento. Demorara muito tempo a compreender que os Carlyle eram tão ou mais felizes que os Wolff, apesar de não terem tanto dinheiro.

Em criança, tinha sofrido muito. Suplicara à mãe que não a levasse para o trabalho com ela. No entanto, Doreen Carlyle tivera poucas opções. Não pudera permitir-se contratar uma ama para a filha.

Gillian vira-se obrigada a ver Devlyn de vez em quando, ainda que os dois tenham tentando ignorar-se após aquele incidente. As coisas melhoraram quando começou a escola. Costumava apanhar a carrinha da escola antes de amanhecer e, quando regressava a casa, a mãe já tinha terminado o trabalho na fortaleza dos Wolff.

Aliviada porque a escuridão da noite lhe escondia a expressão do rosto, Gillian endireitou-se no banco.

– Podes deixar-me em casa da minha mãe, a sério. Prometo que ligarei a alguém se me sentir pior.

Era a proximidade de Devlyn Wolff que lhe acelerava o coração, não o acidente. Era um homem alto, de costas largas. E o aroma da sua loção de barbear recordava-lhe bosques povoados de densas árvores.

Não obstante, Devlyn era um astuto homem de negócios. Dirigia um império e ela odiava-o. Saberia ele o que era esforçar-se para conseguir algo? Alguma vez tivera que se preocupar com dinheiro? Com exceção da perda da mãe há anos, que tinha sido uma tragédia, tivera algum outro contratempo na vida?

Não estava a ser justa, repreendeu-se Gillian a si mesma. Os Wolff doavam dinheiro a muitas organizações de beneficência. Talvez ela ainda estivesse presa ao incidente da gruta. Ou, quiçá, estivesse apenas a procurar defeitos naquele homem que tanto a atraía.

Mesmo em adolescente, as poucas vezes que o vira, parecera-lhe muito bonito. Era um homem que tirava o fôlego. Tinha o cabelo negro como a noite. Um sorriso branco desarmante. E um corpo bem moldado que emanava força e confiança.

Devlyn não mudara muito, exceto o facto de se ter transformado num homem adulto. Parecia ainda mais forte e seguro.

– Não pretendo discutir, Gillian – afirmou ele, lançando-lhe um olhar ao entrar no desvio para a Montanha Wolff. – Lamento não te ter reconhecido de imediato. Mas tens que admitir que mudaste muito.

Gillian teve a sensação de que ele lhe observava os seios. Não podia ser. Uma coisa era ela derreter-se perante um homem tão imponente e outra muito diferente era que ele pudesse ter o mínimo interesse nela.

Quase o acusou de estar a sequestrá-la, mas mordeu a língua. A mãe e a tia de Devlyn tinham sido raptadas e depois assassinadas. Era melhor não brincar com essas coisas.