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Editado por HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

Eu costumava ter uma vida f*dida

Título original: I Used To Be A Miserable F*ck

© 2019, John Kim

© 2019, para esta edição HarperCollins Ibérica, S.A.

Publicado originalmente pela HarperCollins Publishers LLC, New York, U.S.A.

© Tradutora, Ana Filipa Velosa

 

Reservados todos os direitos, inclusive os de reprodução total ou parcial em qualquer formato ou suporte.

Esta edição foi publicada com a autorização da HarperCollins Publishers LLC, New York, U.S.A.

Desenho da capa: HarperCollins

1ª edição: Novembro 2019

 

ISBN: 978-84-9139-442-6

 

Conversión a ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Índice

 

 

Caros homens,

Introdução

Ego

1. Não te escondas

2. Anda com espelhos

3. Escolhe a responsabilidade em detrimento da liberdade

4. Vive uma vida através de mim

5. Não sejas um canalha ao quadrado

6. Mata o teu ego à fome

7. Não lixes o pessoal só porque podes

8. Não choramingues

9. Não espreites por cima do urinol (metafórico)

10. Não sejas simpático, sê bondoso

11. Não basta usar a camisola da compaixão

12. Procura o néctar

Saúde

13. Sua diariamente

14. Tem calma, porra

15. Catapulta-te para o presente

16. Sai da tua bolha

17. Come alguma coisa verde

18. Ri à farta

19. Faz coisas que te fazem sentir vivo

20. Não te leves muito a sério

21. Dança (especialmente se não sabes)

22. Sai com amigos-homens

23. Faz as coisas sozinho

Amor e relacionamentos

24. Responde, não reajas

25. Não digas os teus devias aos outros

26. Diz eu estava errado

27. Não sejas o tipo sei lá

28. Não urines no chuveiro

29. Não deites as pessoas abaixo

30. Quer lavar a louça

31. Larga o historial sexual da tua companheira

32. Não a coloques num pedestal

33. Não pares de cortejá-la

34. Não fiques só na Netflix e a relaxar

35. Não te armes em campeão na cama

36. Ama com intensidade

Carreira e sucesso

37. Assume as tuas merdas

38. Distingue quem és daquilo que fazes

39. Não piques o ponto

40. Está ciente da tua energia

41. Faz a tua cama

42. Falha, muitas vezes

43. Dá um aperto de mão firme

44. Entra nos locais como se fosses o dono

45. Acredita em ti

Comunicação

46. Diz não frequentemente

47. Tenta perceber antes de tentares ser percebido

48. Não vires costas durante uma discussão

49. Expressa os teus malditos sentimentos

50. Pousa o telefone

51. Faz demonstrações físicas de afeto

52. Não conduzas como um anormal

53. Não debatas tudo

54. Não sorvas a comida

55. Não mandes mensagens como se tivesses 17 anos

56. Dá boas gorjetas

Tudo o resto

57. Mantém a tua casa de banho limpa

58. Não compres coisas, arranja prendas

59. Não abuses dos produtos capilares

60. Não uses skinny jeans

61. Não fales com crianças como se fossem crianças

62. Não te atires à miúda mais gira do sítio

63. Não tenhas medo das mulheres

64. Não sejas sinistro

65. Não persigas, atrai

66. Cumpre

Conclusão

Agradecimentos

A minha lista de homens

Leituras recomendadas

Sons recomendados

 

 

 

 

 

 

Dedico este livro a todos aqueles que já bateram no fundo. Que se sentiram perdidos ou desnorteados. A todos aqueles que alguma vez amaldiçoaram o facto de terem nascido. Que sobreviveram a um coração partido, tiveram trabalhos de merda, passaram por relações tóxicas e lutaram contra a incerteza. Àqueles que já se sentiram esmorecidos e sem propósito. Feios, acabados, desejosos de que haja mais, melhor ou diferente. Dedico este livro a qualquer um que alguma vez pensou que tinha uma vida f*dida.

Não resistas a nada.

 

 

 

 

 

 

A verdadeira medida de um homem não se vê na forma como ele se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas em como se posiciona em tempos de desafio e controvérsia.

MARTIN LUTHER KING JR.

 

 

O problema é que Deus deu ao homem um cérebro e um pénis, mas só lhe deu sangue suficiente para usar um de cada vez.

ROBIN WILLIAMS

Caros homens,

 

 

 

 

 

Quando estava a passar pelo processo de divórcio, peguei num livro. Era um livro sobre homens intitulado Eterno Masculino — Um guia espiritual para enfrentar os desafios das mulheres, do trabalho e do desejo sexual[1], de David Deida. Nunca tinha lido um livro sobre homens; nem sequer sabia que existia tal coisa nem o que esperar de semelhante leitura. O dito cujo livro acabou por me mudar a vida. Foi a primeira peça de dominó a cair na longa Jornada do Herói que se seguiu, jornada essa que mudou a minha forma de pensar, comer, amar e mexer-me. Abalou os meus pensamentos, definições e crenças sobre mim próprio. Deu-me novas lentes, um propósito que me reposicionou para, com garra, ajudar outros homens nos respetivos caminhos.

Durante esse processo, as minhas definições de masculinidade mudaram. Aprendi que tinham sido distorcidas pelos meus pais, pela sociedade, pela publicidade e balneários. Eram perniciosas. Mantinham-me numa gaiola, tornando-me numa figura de papelão em vez de um verdadeiro homem adulto em evolução. Eu era um devia andante, que vivia as definições dos outros em vez das minhas próprias. Por isso, esqueci o passado e comecei do zero, centrado no novo e desconhecido; amainei algumas tempestades, comprei uma mota, fiz umas tatuagens, e arranjei forma de ter tomates. Não do tipo próprio dos filmes de ação, mas antes do tipo que te relembra que eles são desiguais porque és humano. Regressei um homem novo. Já não era um póster, mas sim uma pessoa verdadeira com novas definições e um espelho onde ver mais do que o meu cabelo.

Ao escrever este livro, o meu intuito não é impingir-te as minhas definições, mas sim criar um diálogo e desafiar as tuas próprias crenças acerca do que é ser homem, na esperança de que isso te incentive a refletir sobre o que és agora e quem queres ser, e te dê a motivação necessária para colmatar essa lacuna. Não estou aqui para te dar um sermão. Estou contigo, não contra ti, e vou tratar-te como um dos meus amigos, os homens com quem suo, com quem como, com quem ando de mota, com quem como crepes e com quem desabafo sobre a porra dos meus sentimentos. Sim, os homens a sério comem crepes.

Deves ter visto na minha biografia que sou terapeuta. É verdade. Mas não estou aqui só a título de terapeuta; faço isto contigo, como um irmão. Com um ser humano. E, embora às vezes possamos falar sobre mulheres e relacionamentos, não se trata de Marte ou Vénus. De nós contra elas. Trata-se pura e simplesmente de conseguires ser uma versão melhor de ti próprio. Trata-se de vínculos. De descoberta. De construção. Trata-se de progresso, de expansão, e de viver mais de acordo com a tua verdade e potencial. Não só por ti, mas por todos nós.

Porque o mundo precisa desesperadamente de pais presentes, irmãos leais, namorados amorosos, maridos fortes, líderes sensíveis, e homens primorosos para aprimorar outros homens.

Temos de nos apropriar do papel que os homens desempenham neste mundo.

É hora de regressarmos.

John Kim, The Angry Therapist

 

 


[1] No original, The Way of the Superior Man. (N.T.)

Introdução

 

 

 

 

 

Os rapazes herdam a definição de masculinidade, força, amor e personalidade da observação de outros homens, nomeadamente os seus pais. Mas vivemos numa nação órfã de pai. Aprendi isto por experiência própria quando trabalhei como terapeuta numa ONG, a tratar adolescentes com problemas de dependência. Após ter tratado centenas de teenagers e respetivos pais, percebi que o traço comum a mais de 95% desses miúdos problemáticos era o pai ausente. A figura paterna estava desaparecida tanto física como emocionalmente. As raparigas ficavam demasiado próximas de mim, desesperadas pela «atenção do papá», e, sem ninguém para lhes ensinar limites, facilmente se confundiam nas interações sociais com figuras de autoridade. Mas, depois de umas semanas de trabalho com elas, apanhavam rapidamente as dicas sociais e adquiriam formas aceitáveis de comunicar.

Com os rapazes, a história era outra. Muitos deles imitavam tudo o que eu fazia, andando atrás de mim, à procura de um exemplo de como fazer as coisas mais mundanas e óbvias. Alguns eram conflituosos, desejavam um elo com outro homem, mas nunca tinham aprendido a ser alvo de atenção e afeto masculino sem uma pose, pânico ou sem mostrar agressão física. Percebi que ambos os comportamentos advinham de não terem tido um modelo masculino positivo e saudável em casa, e ambos os comportamentos podem acompanhar os miúdos do ensino básico até ao secundário, depois à universidade, a seguir ao local de trabalho e às relações com familiares, colegas e entes queridos para o resto das suas vidas. Ao contrário das raparigas, os rapazes não aprendiam rápido. Estavam verdadeiramente à nora.

Os rapazes com quem trabalhei cresciam atrofiados, com uma definição distorcida de «homem». Dominados pela publicidade manipuladora, balneários tóxicos e a cultura de mover o cursor e deslizar que promove a gratificação instantânea e a ocultação, não admira que muitos desses rapazes se definam pelos músculos que têm ou pelo escritório com vista, e aprendam sobre amor, sexo e intimidade através de aplicações de namoro e pornografia. Para muitos rapazes, a intimidade é apenas superficial, e cortejar um parceiro em potência é algo que fazem enquanto estão sentados na casa de banho com o telefone, daí que nunca aprendam a comunicar ou a ter um vínculo verdadeiro. Basicamente, os seus relacionamentos fracassam e, como não sabem o que é saudável ou não, têm ferramentas para reparar o que não funciona, embarcam em esquemas de relacionamento pouco saudáveis que impedem a aprendizagem e o crescimento. Um rapaz assim cria a sua própria prisão. Talvez formule crenças doentias sobre si próprio, sobre as mulheres e o amor. Não sou suficientemente bom. Quem é que vai gostar de mim? Isso pode levar a raiva e estratégias de confronto, como vícios, fantasmas e comunicação sem paixão, fatores que se limitam a desligá-lo de si próprio. Pode sentir vergonha ou culpa incapacitantes, e pode até atacar a (o) companheira(o), a família ou perfeitos estranhos. Torna-se um predador. De repente, sente isolamento, depressão e mais crenças falsas, alimentadas por mais reações erradas e ineficazes. As mulheres tornam-se objetos. Ou melhor, presas.

Independentemente do caminho específico que o conduziu até aí, todos os cenários como o acima descrito levam a um mesmo sítio: homens que se sentem sempre perdidos e incompreendidos, que vivem sem propósito ou paixão, e que precisam de empolar aspetos físicos ou superficiais para compensar aquilo de que carecem no foro interno. Ou simplesmente desistir.

E tudo isto tem uma repercussão direta na nossa sociedade. Só nos Estados Unidos, segundo a Fundação Americana para a Prevenção do Suicídio[2], todos os anos, quarenta e cinco mil pessoas cometem suicídio.

79% do total são homens. Enquanto as mulheres tendem a ter pensamentos suicidas, os homens são mais propensos a levá-los a cabo. Anualmente, a depressão é diagnosticada a seis milhões de homens na América. As mulheres deprimidas são mais suscetíveis de referir estados de tristeza, ao passo que os homens são mais dados a sofrer em silêncio e não procurar ajuda. Os investigadores realçam que, com frequência, é mais difícil para o homem identificar a própria doença. É mais habitual nos homens com depressão referirem fadiga, irritabilidade e falta de interesse no trabalho. Com toda a probabilidade, não precisas que te diga que 99% dos tiroteios em massa são fruto da ação masculina.

É impossível falar de homens sem falar de mulheres, que há demasiado tempo que sofrem na mão de meninos que não conseguem crescer e portar-se como homens. De acordo com dados revelados pelo Huffington Post, 85% da totalidade das vítimas de violência doméstica são mulheres. Uma em cada três mulheres foi vítima de alguma forma de violência física por parte de um companheiro sentimental durante a vida. A violência doméstica é a terceira principal causa de falta de habitação entre as famílias; 50% das mulheres sem-abrigo afirmam que a violência doméstica foi a causa imediata da sua saída de casa, segundo o Centro Nacional para as Famílias Sem-Abrigo[3]. E, claro, isso afeta as crianças. Segundo a Organização Mundial da Saúde, entre 40% a 60% dos homens que abusam de mulheres também abusam de crianças. Uma em cada cinco adolescentes diz que manteve um relacionamento em que o namorado a ameaçou com violência ou autoagressão se a relação acabasse.

Por fim, as mulheres têm-se vindo a sentir suficientemente seguras para se chegarem à frente e partilharem as suas histórias com o mundo, e, acima de tudo, o que isso revelou foi que a origem dos problemas que as mulheres enfrentam é… ora, nem mais, os homens. Não estou a dizer que as mulheres são perfeitas, mas não são elas que atacam, violam e abusam fisicamente de outras pessoas. Dito isto, sei que muitos homens são vítimas de abuso emocional por parte das mulheres. Todo esse abuso se alimenta a si próprio e o ciclo precisa de ser interrompido. Não se trata de culpa; trata-se de assumir responsabilidade. E como homem que sou, dirijo-me aos homens e centro-me neles. Agora, mais do que nunca, temos o dever de tomarmos as rédeas e redefinirmo-nos. E as mulheres devem subir a fasquia e estabelecer um padrão para o tipo de homem que desejam nas suas vidas.

Ok, mas como? Afinal, não nascemos homens. Nascemos meninos. Embora possamos ter um aspeto exterior de homem, a transição para a masculinidade é um processo interno que requer muito trabalho: reflexão, dor, coragem e, às vezes, um renascimento. É um processo que nunca acaba. Não há conclusão. Ser homem é uma viagem. Muitos optam por embarcar nessa viagem. Outros tantos não. Quem não o fizer, nunca se desenvolverá, evoluirá e se tornará na melhor versão de si próprio. A masculinidade não é um interruptor elétrico. Não se liga com a idade. Só por fazer dezoito anos não se é logo um homem. Ser homem é um modo de vida; são as escolhas diárias que te levam a viver explorando cada vez mais o teu potencial. Se optares por não embarcar nessa viagem, a relação com amigos e familiares, a vida profissional e a capacidade de criar autêntica intimidade nunca serão uma realidade. Eu sei. Eu fui um menino a maior parte da minha vida. E, como o título deste livro sugere, eu costumava ter uma vida fodida.

Cresci nos anos oitenta. Fui criado pela televisão, revistas e pelo tudo/nada da cultura pop porque os meus pais nunca estavam em casa. Eles trabalhavam dezoito horas por dia para viver o «Sonho Americano». Eu tinha liberdade total. Fazia o que queria. Comia o que queria. Via o que queria.

Embora estivesse sozinho a maior parte do tempo, nunca culpei os meus pais. Sabia que eles faziam o melhor de que eram capazes. Eles nunca tinham aprendido o que era a inteligência emocional, ou como comunicar de maneira saudável e criar espaços seguros. Por causa disso, nunca falei sobre os meus sentimentos e nunca aprendi a gerir a minha energia e emoções. Isso significa que entrei na idade adulta sem ferramentas. Era altamente reativo, controlador e irresponsável, e tinha pouca autoconsciência. É claro que isso afetou todos os meus relacionamentos e criou uma bela disfunção.

Antes de falar sobre o meu divórcio, quero mencionar que prometi a mim próprio contar apenas o meu lado da história, sem referir nomes. Sou muito protetor em relação à minha ex-mulher e ao seu anonimato. Embora ela já não pertença à minha vida, é um ser humano excecional, e só sinto amor e respeito por ela e pela sua família. São ótimas pessoas que contribuíram significativamente para a minha «viagem rumo à masculinidade». Também julgo, como homem, que devemos proteger as pessoas que amamos, independentemente do que tenha acontecido. Acho que qualquer colisão nos faz crescer.

De qualquer forma, soube que ia casar com ela assim que a vi entrar no nosso restaurante familiar. Depois de vinte anos de trabalho escravo em cadeias de fast food, os meus pais finalmente pouparam dinheiro suficiente para comprar um bom restaurante — e por «bom» quero dizer um estabelecimento do qual não me envergonhava — que servia os estúdios de produção de Hollywood. Eu tinha vinte e poucos anos e administrava o estaminé porque, bom, os meus pais mal falavam inglês e não faziam a mínima ideia do que diabo estavam a fazer. A verdade é que eu também não. De qualquer forma, ela tinha dezanove anos e acabava de chegar a Los Angeles oriunda de Oregon. Não tinha intenção de ficar; realmente andava à procura de emprego para uma amiga. Não tinha experiência no ramo da restauração e nós não precisávamos de mais empregados. Mas contratei-a porque senti um baque no coração ao vê-la. Foi como uma cena de filme. Ouvi literalmente anjos. Rapidamente tornámo-nos amigos e, uma noite, depois de uma festa privada e alguns copos, beijei-a no escritório — uma caravana Airstream no pátio dos fundos. Sabia que, se ela não retribuísse o beijo, eu podia culpar o álcool, já que só preciso de uma cerveja para ficar bêbado. (É por isso que me chamavam «bezanas» na faculdade.) Mas, surpreendentemente, ela também me beijou. E o resto da nossa história assemelha-se à montagem de um filme romântico, antes da turbulência. Planos rápidos nossos — dois miúdos em Hollywood a explorar o amor juvenil. Ela atriz. Eu guionista. Havia qualquer coisa de romântico em dois miúdos a correrem atrás dos seus sonhos em Tinseltown. A gerir um restaurante que mais tarde se tornou num clube de moda. A deixar-lhe marmitas com o almoço com bilhetinhos no alpendre. A nadarmos nus na piscina dos meus pais como duas crianças que se baldam às aulas. Mergulhámos de cabeça. E bem fundo.

Pedi-a em casamento no topo de uma montanha em Oregon. Ajoelhei-me e achei que íamos ficar juntos para sempre. Trocámos os nossos próprios votos escritos e chorei diante de cem pessoas. Lembro-me de um tipo a gozar comigo por causa das minhas lágrimas de amor. Fiquei envergonhado, porque os homens a sério não choram no próprio casamento. Fomos viver juntos e eis que uma realidade sombria se abateu sobre nós. O nosso filme mudou de género, passou de filme romântico a documentário nu e cru. Tornou-se evidente que eu tinha crescido destituído de quaisquer ferramentas. Ela não tinha visto a letra pequena. Eu nunca fazia a cama. Fazia chichi no chuveiro. Deixava pelinhos no lavatório ao fazer a barba. (Qualquer mulher que leia isto sabe a que me refiro) Não arrumava o que desarrumava. Comia mais do que podíamos pagar. E morava em cafés, a tentar escrever o guião de um milhão de dólares para poder ser um «homem a sério» e podermos «viver o sonho». Mas é claro que isso nunca aconteceu. Então tornei-me infeliz. Inseguro. Perdido. Negativo. Ciumento. Controlador. E miserável.

Em suma, passei da boca para o mamilo, de homem para filho dela. Passei de gerir um restaurante aos vinte e poucos anos, em Hollywood, com um monte de amigos e ambição, para um guionista inseguro que nunca fazia a cama e pedia licença para comprar cereais açucarados. Claro, a dinâmica mudou. E, em vez de assumir a responsabilidade, culpei-a a ela e ao casamento. Só depois do divórcio que se seguiu e do renascimento que aconteceu depois é que comecei a olhar para os meus próprios defeitos e a questionar quem era, quem queria ser, e a minha definição de como é um homem. E comecei a olhar para dentro. Comecei a observar o modo como pensava, me portava e porquê. Examinei as minhas distorções cognitivas, as falsas crenças e vínculos viciados. Assumi a responsabilidade pelos meus atos. Aprendi que, para além de terem um impacto nos outros, também afetam o meu próprio caminho. Tornei-me consciente do meu estado e de como isso afetava a minha qualidade de vida e produtividade diárias. Aprendi sobre o amor e a importância do amor-próprio. Descobri o poder da sensibilidade. Aprendi sobre o perdão. Aprendi sobre a energia feminina e a masculina. Tudo isso me mudou, mudou os meus relacionamentos e, claro, a minha vida.

Simplificando, transformei-me num homem.

O que se segue é uma coleção de traços comportamentais que me ajudaram no caminho, os sins e os nãos que definem o percurso que conduz a ser um homem autêntico. Ninguém tem tempo para teorias densas que não fazem sentido na vida quotidiana. Daí ter colocado descrições de cada uma dessas características num copo de shot, simples e fácil de digerir. Baseiam-se em milhares de sessões que levei a cabo como terapeuta licenciado, tanto com homens como com mulheres, nas quais estudei padrões de relacionamento. Mas também, e mais importante, baseiam-se na minha própria travessia pela enorme divisória que separa um rapaz de um homem. A matar os meus próprios dragões e a regressar com revelações para partilhar.

Ainda luto com muitas das características que incluo neste livro. Ser homem não é ser perfeito, não é uma empreitada concluída. É um processo, uma viagem. Mas, quando começares a tua viagem, vais perceber que existem alicerces que definem o teu caráter e te posicionam para coisas maiores. Podes concordar comigo ou não quanto à importância desses alicerces. Alguns são leves. Alguns são pesados. Mas acredito que, em todo o caso, contribuem para relacionamentos mais saudáveis, nomeadamente a relação contigo próprio, e fazem de ti um homem melhor.

 

 


[2] No original, American Foundation for Suicide Prevention. (N.T.)

[3] No original, National Center on Family Homelessness. (N.T.)

EGO

 

 

Bem-vindo à Primeira Parte. Não vamos começar pela tua vida amorosa de merda, ou pelas frustrações afetivas, pelas amizades desequilibradas, ou pelo pneu à volta da cintura do qual não te consegues livrar. Não vamos começar pelos teus pais controladores que ainda exercem um poder sobre ti que não vais admitir, ou pelos teus parceiros microgestores da tua nova startup que vai ganhar milhões. Vamos começar por ti. Porquê? Porque qualquer viagem começa e acaba em ti.

 

O ego prende-se com um sistema de mecanismos sociais, psicológicos, neuronais e moleculares — uma série de perceções, uma alma imortal que transcende o físico. Basicamente, é uma palavra abstrata em psicologia que o bem-estar atual encheu de desculpas. Sim, está o teu âmago, a tua alma, o teu espírito, a essência de quem és; e amar e alimentar essas partes é importante. Mas não chega. O ego é uma palavra elegante para dar resposta à pergunta: Quem és tu? E a resposta é criada pela ação.

 

 

 

 

O EGO,

num copo de shot:


Os homens são sensíveis. Os homens são conscientes dos seus pensamentos e atos. Os homens não reagem, antes respondem. Os homens percebem que a liberdade não é o contrário da responsabilidade. Os homens deixam o mundo trabalhar através deles, não para eles. Os homens são humildes. Os homens não intimidam, não se queixam, nem julgam. Os homens são compassivos. Os homens são carinhosos. Os homens criam a sua própria felicidade.

 

1
Não te escondas

 

 

Lembro-me da primeira vez que vi um homem ser mesmo sensível.

Nessa época, eu era casado. O meu sogro estava a levar-nos, a mim e à minha mulher, a sua filha, ao aeroporto. Na carrinha, ela contou-nos uma história acerca de como tinha passado um mau bocado na escola secundária. Depois de ouvir a história, o meu sogro desatou a chorar. Ele não fazia ideia de que ela tinha sido vítima de bullying; achava que tinha tido uma ótima experiência no liceu. Lembro-me de ver as lágrimas escorrerem pelo rosto dele, a dor e empatia nos seus olhos. Mas o mais importante foi ele ter visto como a sua atitude fez a minha esposa à data sentir-se. Porque ele nem sempre foi assim. Criou-a com mão de ferro e manteve as suas emoções enterradas. Só quando passou pelo seu próprio divórcio é que começou a expor-se e a expressar os seus sentimentos. Lembro-me de assistir a isto como uma cena de um filme de pai/filha e pensar, Uau, ele não tem medo de se expor, não só à filha, mas também a mim. Apenas algumas horas antes, eu e ele estávamos a levantar pesos e a conversar sobre motas.

E ei-lo, a fungar porque estava a sentir a dor da filha. Pediu desculpa por não estar presente quando ela frequentava o ensino secundário. Pediu desculpa por não ter estado presente para a apoiar. Pediu desculpa por ser um pai ausente. Então, ela começou a chorar. E eu também comecei a chorar. Estávamos todos a chorar dentro de uma carrinha a caminho do aeroporto. E nesse momento, a minha definição do que era um homem real mudou.

Há qualquer coisa na palavra «sensibilidade» que repele os homens. E, no entanto, a maioria de nós admite que a sensibilidade é uma coisa boa, que muitas vezes leva ao sucesso, que pode dar força. Mas há uma diferença entre assistir e concordar com o poder da sensibilidade apoiado pela ciência numa TED Talk e realmente praticá-la na vida real. Nós mantemos a sensibilidade à distância de um braço. Assentimos com a cabeça. Concordamos. Mas não executamos. Não nos mobilizamos. Nós escondemo-nos.

O dicionário Webster define «sensível» como «capaz ou suscetível de ser magoado ou ferido». E é exatamente assim que a maioria dos homens vê a coisa. É por isso que empunhamos o nosso escudo. Não nos mostramos através da sensibilidade e tentamos mostrar-nos de outros modos: reparando objetos, pagando as contas a tempo, sendo o mais barulhento da sala.

Este condicionamento é profundo. Tem sido transmitido pelos nossos pais e avós que demonstraram que os sentimentos devem ser mantidos no foro interno, e de balneários a repúblicas estudantis onde fomos ensinados a «ser machos».

Quando entramos na idade adulta, as razões para escondermos o nosso verdadeiro eu aumentam. Magoam-nos. Os nossos corações endurecem. Falar sobre sentimentos é uma coisa própria de mulheres. E nós somos homens.

Mas a sensibilidade não se resume a falar sobre sentimentos. Prende-se com mostrar o verdadeiro eu. Muitos de nós só nos mostramos quando precisamos. Quando há alguma coisa em jogo. Quando perdemos qualquer coisa — um relacionamento, um casamento, uma amizade, um negócio e, inclusive, nós próprios. Chegamos a um lugar onde já não há mais para onde ir. Mas, até lá, vamos guardando tudo. E acabamos por libertar essas bostas de forma doentia. Desenvolvemos e alimentamos vícios, tornamo-nos workaholics; podemos até enganar, mentir, ser agressivos ou deixar que façam gato-sapato de nós.

Mas, acima de tudo, se não mostrarmos o nosso verdadeiro ego e expressarmos como nos sentimos, entramos em negação. Estamos a dizer que nós não importamos. Tornamo-nos invisíveis.

Praticar a sensibilidade não é fazer algo pelos outros. Não é fazer um favor a alguém. Não é ceder. Pelo contrário, é criar o solo, um solo fértil, para ti e para o teu crescimento. Estás a aumentar o teu potencial. Estás a posicionar-te. Estás a construir um tu melhor e mais forte. E começa tudo com a tua verdade. Nada se pode construir sem isso.

Ao fazer milhares de sessões com casais na última década, descobri que a maior queixas das mulheres é que o companheiro não é sensível, não comunica, não se mostra nem expressa os seus sentimentos. Quero que penses sobre isso. Se eu falasse com a tua namorada/mulher/companheira/colega/amiga, será que ela diria o mesmo sobre ti? Sê honesto contigo próprio.

 

E começa tudo com a tua verdade.

Nada se pode construir sem isso.

 

Não mostrar sensibilidade, não ser transparente com as pessoas na tua vida, cria desunião. Estás a deixar a outra pessoa às escuras. Estás a fazer a vida em torno do teu par, em vez de com o teu par. Ele ou ela sente-se sozinho(a). É como se levasses um pé-de-cabra para a relação em vez de produzires cola, e assim não conseguirás construir nada saudável e sustentável.

Então faz a pergunta a ti próprio: Estou a ser sensível? Estou a dar de mim? Não apenas com o teu par, mas em todos os relacionamentos. Com amigos. Colegas de trabalho. Empregados. Com o chefe. Os filhos. Os pais. A família. Em caso de a resposta ser negativa, porquê? Ainda te agarras a definições antigas do que é ser homem? Nesse caso, talvez tenha chegado a hora de mudares de crenças. Porque a verdade é esta: se não praticares a sensibilidade, nunca atingirás todo o teu potencial como pai, irmão, namorado, marido, amigo, filho, professor, líder, empreendedor e ser humano.